Cogumelos medicinais e até alucinógenos são a nova aposta da ciência em tratamentos de depressão, ansiedade e queda de imunidade

Cogumelos medicinais e até alucinógenos são a nova aposta da ciência em tratamentos de depressão, ansiedade e queda de imunidade
Cogumelos com psilocibina estão sendo estudados no mundo todo para tratamentos de depressão e ansiedade Foto: Shutterstock

Entre as tendências de consumo dos próximos anos, está uma que há um tempo lidera as apostas dos futurólogos: os cogumelos, tanto os medicinais (como os tipos reishi, maitake, chaga) quanto os psicodélicos (aqueles que têm a substância psilocibina). Sem falar que a matéria-prima da moda de 2021 é o micélio, a parte do fungo que fica sob a terra, que se tornou uma alternativa ao couro, conquistando da tradicional Hermés à descolada Adidas. Muito além de shiitakes e shimejis, os fungos dos mais variados tipos vão estourar nos próximos anos.

Depois de trazer marcas como os chás indianos Tulsi para o Brasil, a empreendedora gaúcha focada em produtos saudáveis produzidos de maneira sustentável Romanna Remor, de 46 anos, da VivaRegenera, lançou a primeira coleção de cogumelos terapêuticos desidratados do país. “Já tinha um tempo que trazia pacotes deles em pó das minhas viagens. Quando acabavam, ficava arrasada. Então, fui atrás de importá-los e, assim, eu e mais tantas outras pessoas poderíamos tê-los na rotina. Eles já são usados há muito tempo em culturas como a chinesa, ficam ótimos em shakes, chás e até para finalizar um risoto”, conta Romanna.

São sete tipos de “cogumelos do poder” vendidos por ela: lion’s mane, cordyceps, turkey tale, maitake, chaga e yanomami, este último o único deles que é cultivado no Brasil. “Cada um tem uma propriedade específica, e todos têm muita proteína.Vários nutricionistas indicam os ciclos de cogumelos. A pessoa passeia por todos eles e sente um leque grande de benefícios”, conta.

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Eles ajudam desde a imunidade até dores nas articulações, diabetes, concentração e para dar um gás pré-treino. “O feedback tem sido muito bom e a nossa venda dobrou este ano. Com o aumento do conhecimento e do interesse sobre os poderes do produto, acredito que amplie ainda mais”, prevê Romanna, que mora na Cidade Criativa Pedra Branca, um bairro sustentável em Palhoça, na Grande Florianópolis, e viaja pelo Brasil e o mundo fazendo curadoria de superfoods. “Vou levar os yanomamis para fora do país. Sei que serão sucesso”, adianta.

Com ambições terapêuticas ainda maiores, estudos, teses e pesquisas ao redor da psilocibina, sustância alucinógena presente em alguns cogumelos, apontam sua eficácia em casos de depressão e ansiedade. Apesar de seu consumo ser proibido na maior parte do mundo (no Brasil, é permitido apenas em casos de pesquisas científicas sob autorização prévia da Anvisa), nos Estados Unidos a coisa já está mais avançada. Em 2019, Denver, capital do estado do Colorado, aprovou a descriminalização. Semanas depois, Oakland, na Califórnia, seguiu o mesmo caminho, e, ano passado, foi a vez do Oregon legalizar. Acredita-se que a psilocibina trace o mesmo caminho do canabidiol, extraído da maconha, e passe a ser considerada uma aliada em tratamentos psiquiátricos.

Uma das referências no estudo de psicodélicos é o Instituto Phaneros, que investiga o potencial terapêutico dos cogumelos alucinógenos para tratamento de transtorno de estresse pós-traumático, depressão, dependência química e transtorno obsessivo compulsivo. Em bate-papo on-line esta semana, o presidente do instituto, o neurocientista Eduardo Schenberg, comentou que “ainda existe muito tabu ao redor da psilocibina” e que “está na hora de a academia e os profissionais de saúde olharem mais para o assunto”.

Segundo ele, reportagens como a que saiu em janeiro na revista britânica Nature, a mais importante publicação de ciência do mundo, com o título “Como a psilocibina está agitando o mercado da psiquiatria”, mostram que a substância tem tudo para ser cada vez menos marginalizada.

No Rio, a psicóloga Bheatrix Bienemann, de 29 anos, se dedica aos estudos dos efeitos da psilocibina desde 2018, quando decidiu que seria este o tema de seu doutorado. Ela e seu orientador Daniel Mograbi acabam de publicar um artigo científico sobre o uso da substância. “A psilocibina gera um rearranjo cerebral. Áreas que não se comunicavam passam a se comunicar, enquanto outras são silenciadas. Pesquisas mostram ainda que ela mexe com os receptores de serotonina”, comenta.

A designer Marina*, de 36 anos, tem usado microdoses de psilocibina há cerca de dois meses. São 25 mg a cada três dias e uma sensação de clareza mental que ela nunca havia experimentado. “Na pandemia, tive crise de pânico e estava tomando sertralina. Comecei a experimentar a microdose porque dizem ser bom para fazer o desmame. De fato, foi. Parei de sentir tonteiras e dor de cabeça. Além disso, os melhores efeitos vieram duas semanas depois: uma sensação muito boa de controle do humor e redução da ansiedade. Fiquei mais focada no trabalho, senti que rendi mais e até criei novos hábitos, como praticar boxe, coisa que seria inimaginável antes. Sinto que cria novos caminhos mentais”, relata.

Em muitos estudos e pesquisas feitos ao longo da última década o resultado é descrito como uma espécie de reset no cérebro com depressão. O psiquiatra paulista Luiz Sperry, de 42 anos, acompanha animado as novidades sobre a psilocibina na Medicina. Ele, que se divide entre consultas particulares e o Hospital das Clínicas, em São Paulo, destaca que os psicodélicos têm uma ação forte na serotonina, assim como os antidepressivos. “Acredito que se não fosse a questão social, o tabu e a guerra às drogas que vivemos no Brasil, as pesquisas com psilocibina já estariam lá na frente”, diz.

Ele comenta um estudo divulgado este mês no New England Journal of Medicine, publicação científica da Massachusetts Medical Society, que comparou os efeitos dos cogumelos com os do medicamento escitalopram, um dos mais modernos antidepressivo do mercado, em pessoas com depressão moderada ou severa. A conclusão foi que a psilocibina pode ter ação mais rápida em tratamentos. Os participantes tiveram acompanhamento psicológico, e foi documentada melhora na habilidade de sentir prazer e expressar emoções, redução da ansiedade e dos pensamentos suicidas, além de aumento nos sentimentos de bem-estar. A redução dos sintomas da depressão foi de 57% no grupo que tomou a substância contra 28% entre os que receberam o antidepressivo. “Acredito no potencial da substância. O que mais me impressiona nos psicodélicos é a rapidez no efeito”, diz Sperry.

Fonte: O Globo