Entenda como embaixadora filipina, com imunidade diplomática, pode responder por agressão a doméstica
Marichu Mauro, embaixadora das Filipinas no Brasil, foi flagrada em circuito de segurança agredindo uma empregada doméstica dentro da residência diplomática, em Brasília. O ato viola o direito trabalhista e criminal, mas ela tem uma prerrogativa que limita a ação da Justiça brasileira: a imunidade diplomática.
A imunidade significa que os embaixadores "são processados e julgados pelo país de origem", explica o especialista em direito internacional Emerson Malheiro. Esta prerrogativa está prevista na Convenção de Viena, um conjunto de regras firmadas por acordos entre os países.
Seguindo este entendimento, o governo das Filipinas determinou, nesta segunda-feira (26), o retorno de Marichu Mauro ao país. Segundo o Ministério das Relações Exteriores, o governo brasileiro foi informado oficialmente sobre a determinação e haverá "investigação rigorosa" a ser conduzida nas Filipinas.
No entanto, o Ministério Público do Trabalho (MPT) decidiu abrir inquérito para apurar a conduta da embaixadora. O MPT vai seguir a investigação no Brasil para auxiliar as apurações nas Filipinas, para onde a empregada agredida já retornou.
O G1 questionou o Ministério Público do Trabalho sobre como o órgão vai proceder com o inquérito no Distrito Federal, mas não obteve retorno até o início da manhã desta terça-feira (27).
O que acontece agora?
Os governos brasileiro e filipino devem acompanhar o cumprimento da determinação de retorno de Marichu ao país. Segundo Emerson Malheiro, caso a embaixadora descumpra a norma, ela pode ser punida no país por desobediência.
"Se ela não retornar, o Estado das Filipinas terá que abrir mão da imunidade e ela responderia nos termos da lei brasileira", diz Emerson Malheiro.
Nesta hipótese, o governo filipino precisaria assinar um documento abdicando da imunidade. A Convenção de Viena não determina prazo máximo para o retorno da diplomata ao país.
Assim que Marichu deixar a embaixada, o governo filipino deve enviar um novo representante do país ao Brasil.
O que o governo brasileiro pode fazer?
Apesar das limitações em processar e julgar Marichu, o governo brasileiro pode emitir uma declaração de “persona non grata” para a embaixadora. O termo significa pessoa "não querida", e está previsto na Convenção de Viena como uma forma de solicitar a saída de um diplomata do país ou "recusar-se a reconhecer tal pessoa como membro da missão [diplomática]".
Como a embaixadora Marichu Mauro já tem uma ordem para se retirar, o especialista em direito internacional Emerson Malheiro diz que o título pode gerar impactos nas relações diplomáticas.
"O título de persona non grata pode fazer com que as Filipinas fiquem mal vistas por outros Estados, é uma mancha ao país”, diz Malheiro.
Direito trabalhista
O especialista em direito constitucional Acácio Miranda explica que a embaixada das Filipinas pode responder, em determinados casos, por irregularidades trabalhistas.
“Tribunais superiores já decidiram que as relações trabalhistas entre consulados são regidas pela legislação brasileira. Na legislação do trabalho a gente leva a questão também para o local, ou seja, onde há a prestação do serviço”, diz Miranda.
No caso de Marichu, o especialista explica que depende da forma do contrato de trabalho, já que a empregada também é filipina.
Agressões
As agressões da embaixadora Marichu Mauro contra a empregada doméstica foram registradas pelo circuito interno de câmeras da residência oficial, que fica nos fundos da embaixada, em Brasília. Um funcionário, que não quis se identificar, viu as imagens e fez um pente fino nas gravações junto com um colega.
Eles descobriram que a vítima era agredida praticamente toda semana. Em 12 de março, por exemplo, as câmeras mostram um momento em que a diplomata parece discutir com a funcionária. De repente, Marichu Mauro dá um tapa no rosto da empregada. A agressão é interrompida no instante seguinte, quando uma pessoa aparece abrindo uma porta.
Em 19 de agosto, as duas aparecem tentando consertar uma porta. Enquanto a empregada está abaixada, a diplomata dá um puxão nas orelhas da vítima.
Imagens de 15 de outubro mostram a embaixadora tentando beliscar a funcionária. Ela ainda arranca a máscara de proteção que a empregada usa no rosto.
A mulher agredida tem 51 anos e deixou o Brasil na semana passada. Os representantes do país disseram que ela voltou para as Filipinas, de onde vai contribuir com as investigações.
Fonte: Carolina Cruz, G1 DF