Sem Aras, Toffoli e governo assinam nova regra para acordos de leniência e excluem MPF
BRASÍLIA — Sem o aval da Procuradoria-Geral da República (PGR), o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli realizou nesta quinta-feira uma cerimônia de assinatura de um conjunto de novas regras para acordos de leniência (a delação premiada de empresas) que abre brecha para excluir o Ministério Público Federal dessas negociações. Além de Toffoli, o termo teve assinatura dos ministros da Controladoria-Geral da União (CGU) Wagner do Rosário, da Advocacia-Geral da União (AGU) José Levi, do ministro da Justiça André Mendonça e do presidente do Tribunal de Contas da União (TCU) José Múcio Monteiro.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, havia pedido a Toffoli mais tempo para analisar a minuta da proposta e sugerir alterações, porque o texto desagradou o MPF. Por isso, Aras não participou da cerimônia e não assinou o acordo. A minuta estabelece que os acordos de leniência com as empresas suspeitas de ilegalidade serão negociados apenas pela AGU e pela CGU, e que o MPF receberia as provas entregues pelas empresas somente após o acordo ter sido assinado. A minuta foi revelada pelo GLOBO no último dia 31.
Toffoli manteve o nome de Aras entre os signatários do acordo, mesmo sem o procurador-geral ter efetivamente assinado o documento. A assessoria de Toffoli informou que Aras pode assinar o acordo posteriormente, caso deseje aderir. Isso, porém, inviabiliza que o MPF proponha alterações ao texto. A atual redação gerou duras críticas da Lava-Jato e de procuradores do Ministério Público Federal.
Em seu discurso, Toffoli não citou a ausência de Aras no acordo e elogiou o procurador-geral, afirmando que ele "reconhece a necessidade de atuação conjunta com outros órgãos, sem abrir mão do relevante papel do Ministério Público nos acordos de leniência". Negou, entretanto, que a proposta retire poderes do MPF.
— E isso é importante ressaltar novamente: este acordo de cooperação não cria nem retira competências de nenhuma das instituições envolvidas. Essas competências decorrem da Constituição e da legislação — afirmou o presidente do STf.
'Balcão único'
O objetivo da proposta é criar um "balcão único" para que empresas acusadas de cometer ilícitos façam um único acordo, com a participação de todos os órgãos, e não precise fazer diversas negociações separadamente, como ocorre hoje. Na avaliação de fontes dos diversos órgãos, a proposta criaria um ambiente de maior segurança jurídica para os acordos de leniência. Entretanto, a ausência do MPF na assinatura da proposta significa que a insegurança jurídica permanece, porque os procuradores não precisarão seguir as diretrizes definidas no acordo e poderão continuar acionando judicialmente essas empresas.
Aras aguardava que a 5ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, órgão responsável pela área de combate à corrupção, produzisse uma nota técnica com análise sobre a minuta e a sugestão de alterações. As primeiras sugestões feitas pelo MPF, que incluíam também a participação nesses acordos de órgãos como o Banco Central, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) e a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), foram ignoradas por Toffoli, que coordenou a redação da minuta.
Os grandes acordos de leniência da Operação Lava-Jato, com companhias como o Grupo J&F e a Odebrecht, foram conduzidos inicialmente por procuradores do Ministério Público, para só depois terem a adesão de órgãos como a CGU. Na longa negociação com o MPF, a J&F ofereceu inicialmente R$ 700 milhões, mas, no final, aceitou pagar R$ 10,3 bilhões de ressarcimento.
Pelas novas regras propostas, o MPF não conduzirá mais as negociações dos acordos de leniência. “Visando a incrementar-se a segurança jurídica e o trabalho integrado e coordenado das instituições, a Controladoria-Geral da União e a Advocacia-Geral da União conduzirão a negociação e a celebração dos acordos de leniência nos termos da lei nº 12.846, de 2013”, diz o texto.
Isso significa que procuradores responsáveis por investigar os crimes de uma empresa podem ficar fora da análise de quais fatos criminosos essa empresa está confessando no seu acordo.
De acordo com a minuta, qualquer investigação do MPF ou da Polícia Federal que constate o envolvimento de uma empresa em fatos ilícitos deveria ser enviada para conhecimento da CGU e da AGU. O texto estipula uma exceção a esse padrão: que o compartilhamento não seja feito caso coloque as investigações em risco. Ainda assim, na avaliação de investigadores, o novo modelo abrirá brecha para que o governo tenha informações de diversas investigações sigilosas em andamento pelo país.
Fonte: Aguirre Talento, Leandro Prazeres e Carolina Brígido/O Globo