Raoni: Bolsonaro incentivou ódio contra os indígenas e não tem noção do que fez
Reunidos durante quatro dias na aldeia Piaraçu, localizada na Terra Indígena Capoto-Jarina, a quase mil quilômetros da capital de Mato Grosso, 54 lideranças de diferentes etnias do país atenderam ao "chamado do Raoni" e assinaram nesta sexta-feira uma carta em que condenam a tese do marco temporal e cobram das autoridades mais respeito e atenção aos povos indígenas do Brasil, além de fazer um alerta para os efeitos das mudanças climáticas provocadas pela ação do homem sobre a natureza.
O encontro acontece em meio à publicação de um relatório estarrecedor do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) que aponta o ex-presidente Jair Bolsonaro como responsável por crime de genocídio contra os povos originários durante os quatro anos de sua gestão, período em que quase 800 indígenas foram assassinados e outras 3.552 crianças de até quatro anos morreram, entre outros dados de violência.
Líder máximo do encontro, o cacique Raoni Metuktire reforçou a acusação sobre o ex-presidente. Em entrevista exclusiva ao GLOBO, por meio de vídeo, Raoni afirma que Bolsonaro sempre incentivou a violência contra os povos indígenas.
— Quando ele (Bolsonaro) entrou no poder incentivava as pessoas para destruir os povos indígenas e o meio ambiente. Esse discurso dele era só incentivar o ódio nas pessoas. E foi isso que ele fez durante o tempo dele. Daí eu me perguntei: um presidente no poder é uma liderança que faz isso?! — afirma Raoni, que mesmo aos 93 anos demonstrou disposição e força para conduzir o encontro e falar com todos os líderes presentes.
Raoni afirma ainda que por diversas vezes o ex-presidente tentou promover a desavença e conflito entre os próprios indígenas, colocando uns contra os outros, prometendo um vida mais próspera.
— Mas hoje, pelo menos eu, tentei evitar isso. Para que não haja mais guerra entre os povos e que eles estejam ali para defender o que é seu, defender a família. Eu evitei essa guerra entre indígenas, porque o discurso do Bolsonaro era esse todo o tempo — afirmou.
"Não há dinheiro que compre outro planeta”
Raoni diz que as mudanças na política indigenista começaram logo que o ex-presidente Michel Temer assumiu o poder, em 2016.
---- (Michel) Temer , vice da Dilma, foi ele que começou a incentivar as pessoas a ter ódio nos povos indígenas nos últimos anos. E isso se sucedeu para Bolsonaro, que reforçou o discurso dele, que incentivou as pessoas a matar indígena. Se alguém atrapalhar, mata ele. Assim era o BOlsonaro e ele pedia para as pessoas derrubarem as árvores para poder plantar soja, tirar madeira, garimpar... então foi ele que incentivou essas pessoas a terem ódio nos povos indígenas. Ele até pedia para as pessoas matarem indígenas quando estivessem contrariando ele. Bolsonaro não tem noção do que ele fez, Bolsonaro é um louco, ele não pensa direito. Eu não aceitava ele! ---- afirma Raoni.
O encontro em São José do Xingu terminou sem a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que era esperado por Raoni e as demais lideranças, mas alegou dificuldades de ir ao evento por conta de um procedimento no quadril. A ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, e a presidente da Funai, Joenia Wapichana, marcaram presença no evento, onde foi apresentado o documento de aprovação do relatório do estudo de regularização e delimitação da Terra Indígena Kapot Nhinore, território que ocupa o norte de Mato Grosso e parte do Pará e onde está a aldeia em que o cacique Raoni nasceu, considerada área sagrada para o povo kayapó.
---- Quando o Lula entrou como liderança do país depois dessa pessoa que só discursava o ódio, daí eu pensei, né? Essa é a oportunidade de juntar várias lideranças no Brasil para discutir sobre nós mesmos, o assunto, a causa dos povos indígenas e do meio ambiente para poder fortalecer essas lutas e também nos empoderar , ter uma união unifcada para enfrentar qualquer tipo de ameaça que nos possamos receber. Ou seja, preparar nosssa estratégia de poder se proteger do que vem por aí ---- finaliza Raoni.
O líder kayapó recebeu apoio de várias personalidades estrangeiras, como o Rei Charles e o cantor Sting. A carta assinada pelas lideranças termina com um alerta para que o homem pense no futuro:
“Nossos ancestrais há muitos anos vêm avisando que a saúde da terra não é responsabilidade só nossa, ela é responsabilidade de todos, se o céu cair, a terra incendiar e as águas subirem, todos nós iremos morrer. Não há dinheiro que compre outro planeta”.
Procurada, a assessoria do ex-presidente ainda não se manifestou. O espaço segue aberto a manifestações.
Fonte: O Globo