Por trás da dança, FitDance impôs rotina de pressões e ameaças, dizem ex-membros
Por trás dos sorrisos em vídeos de dança e dos posts animados no Instagram, ex-integrantes do FitDance narram uma rotina de pressões e constrangimentos na empresa.
A mais conhecida plataforma brasileira de dança da internet, que atua também em academias, está no centro de uma onda de acusações de irregularidades trabalhistas desde a saída de um de seus membros mais antigos, o ex-BBB Diogo Pretto.
Ao anunciar a despedida, Diogo publicou um longo desabafo, criticando a empresa e um de seus fundadores, Fabio Duarte, conhecido como “Big Boss”, mas a quem o dançarino chamou de “ex-amigo”.
“Eu estava ficando doente em casa, não estava mais aguentando”, diz Diogo sobre o período em que fez parte do grupo, no vídeo publicado no Instagram.
Outros bailarinos, que também se desligaram da plataforma nos últimos anos, falaram ao G1 sobre casos em que o FitDance, segundo eles, coagiu integrantes a trabalharem sem remuneração, assumiu o controle sobre suas redes sociais e contratos externos e constrangeu dançarinos com punições e ameaças.
A empresa nega qualquer irregularidade (leia comunicado mais abaixo).
Casos na Justiça
Desde Lorena Improta, que deixou a empresa em 2016, o FitDance perdeu pelo menos outros sete de seus dançarinos mais conhecidos, a maioria de forma não amigável.
No ano passado, o casal Juliana Paiva (1,3 milhão de seguidores no Instagram) e Dam Fernandes (704 mil) deu adeus ao grupo, por considerar que a empresa descumpriu cláusulas dos contratos assinados com os dois.
Logo depois, eles contam, foram processados pelo FitDance, que quer impedir que o casal exerça atividades relacionadas à dança e trabalhos artísticos pelo período de dois anos, além do pagamento de multa por quebra de contrato.
Os pedidos foram, inicialmente, negados pela Justiça, mas as ações continuam em andamento.
“Existem contratos que proíbem o trabalhador de prestar serviço para determinadas empresas por algum período, depois do desligamento. Mas, nesses casos, deve haver um ressarcimento, uma remuneração ao profissional durante esse tempo”, explica o advogado trabalhista Vitor Hugo de Almeida.
Correm, em sigilo, pelo menos três processos trabalhistas abertos por ex-prestadores de serviço contra a FitDance ou a Califórnia Filmes. As duas empresas são administradas por Fabio e o irmão, Bruno, e atuam em conjunto na produção de vídeos e clipes musicais.
Controle das redes sociais
O grupo de bailarinos que participa das gravações de coreografias, clipes e eventos do FitDance é chamado de Equipe Show. Com a visibilidade gerada pelos trabalhos, vários ganham status de influenciadores nas redes sociais.
Ex-membros do time contam que eram contratados como prestadores de serviço, sem carteira assinada, e remunerados por ação feita para a empresa.
Mesmo assim, segundo eles, o FitDance monitorava todos os contratos externos de seus integrantes, o que é considerado irregular nesse tipo de vínculo.
“Ainda que exista uma cláusula de exclusividade, ela só é válida se o trabalho feito externamente afetar diretamente o serviço previsto em contrato”, diz o advogado trabalhista.
“O dançarino pode aceitar, por exemplo, um trabalho que surge em um dia em que ele não tem nenhum serviço previsto com a empresa com que tem exclusividade.”
Um bailarino, que não quis se identificar, diz que os integrantes do grupo eram proibidos de postar no TikTok e IGTV (serviço de vídeos longos do Instagram).
Segundo ele, alguns foram compelidos a dar, à empresa, acesso às suas próprias redes sociais, que eram vigiadas, e, em um episódio, a conta de uma dançarina chegou a ser tirada do ar por um mês.
Punições
“A forma como a empresa era liderada causava uma pressão psicológica muito grande em todos os integrantes. Sempre de forma velada, existiam punições”, lembram Juliana e Dam, em um relato enviado ao G1.
Os dois dizem que não tinham acesso aos valores fechados pela empresa para gravação de clipes e apresentações e, algumas vezes, eram pressionados a realizar trabalhos sem pagamento.
“Nesses casos, se houvesse recusa do bailarino, ele era excluído de trabalhos posteriores, e a remuneração ao final do mês era menor como forma de punição.”
Segundo os ex-integrantes, os castigos para quem descumprisse orientações da empresa também incluíam a exclusão em trabalhos com artistas famosos e a diminuição da visibilidade nos vídeos publicados nos canais do FitDance na internet.
Eles afirmam que as repreensões e cláusulas sobre multas contratuais eram usadas para ameaçar dançarinos.
O advogado explica que, à exceção de serviços comprovadamente voluntários, não pode existir trabalho sem alguma forma de remuneração. “Também não se pode vincular esse tipo de obrigação a outros trabalhos. É assédio, falta grave”.
Além disso, a empresa pode ser punida por intimidar trabalhadores com sanções. “Existe uma linha tênue entre a liberalidade da empresa e o assédio moral”, esclarece.
“A empresa tem o direito, por exemplo, de não contratar mais alguém que presta serviço para um concorrente. Ela também pode decidir sobre como vai distribuir o trabalho. Mas, se faz isso de modo a prejudicar alguém específico, usa isso como ameaça e cria uma situação de pânico, é assédio moral.”
O G1 solicitou uma entrevista com os representantes do FitDance para falar sobre os contratos e acusações dos ex-bailarinos, mas a assessoria de imprensa da empresa enviou apenas um comunicado.
O texto afirma que todas as diretrizes e contratos do grupo são baseados em práticas de mercado e que as questões estão sendo analisadas pela equipe responsável.
Leia a íntegra do comunicado enviado pelo FitDance:
"A FitDance sempre teve como objetivo e missão fomentar o mercado da dança e levar alegria e bem-estar para os alunos e praticantes.
Nossas diretrizes e contratos são baseados em práticas de mercado, profissionalismo, melhorias e aprendizados contínuos. Sempre estivemos à disposição para o diálogo e esclarecimentos. Todas as questões estão sendo analisadas pelas equipes responsáveis e esperamos que as mesmas sejam concluídas da melhor forma possível."
Após a publicação da reportagem, o FitDance enviou outra nota ao G1, comentando ponto a ponto:
"'Acusações e irregularidades trabalhistas': Os envolvidos não tinham vínculo empregatício com a empresa, sendo a relação pautada com instrumento particular definido entre as partes para prestação dos serviços artísticos;
'Redes sociais controladas': As redes sociais eram monitoradas, por estar previamente pactuado no instrumento particular a exclusividade da imagem do dançarino para evitar conflitos de imagem e empresariais;
'FitDance perdeu pelo menos outros sete de seus dançarinos mais conhecidos': Todos os dançarinos encerraram contrato com a empresa por término da vigência ou conveniência entre as partes, com exceção de Juliana e Damásio, que quebraram os seus contratos antecipadamente sem prévio acordo ou deliberação com a empresa;
'A FitDance quer impedir o exercício de atividades relacionadas à dança e trabalhos artísticos pelo período de dois anos': Os dançarinos possuíam estreita relação com a empresa, e naturalmente conquistaram um conjunto de habilidades, oportunidades e visibilidade que vão perdurar em suas carreiras, para tanto torna-se uma relação inerente ao contrato esta vedação, mesmo após a vigência contratual. Entretanto, fez parte da política da empresa negociar caso a caso flexibilizando as restrições de atuação e prazos de não concorrência com os dançarinos que tiveram seus contratos encerrados;
'Repreensões e cláusulas sobre multas contratuais eram usadas para ameaçar dançarinos': Toda e qualquer cláusula contratual sempre foi usada para regular a relação entre as partes, nunca existiu ameaça ou repreensão, pelo contrário, antes da devida comunicação dos descumprimentos contratuais praticados, a empresa sempre esteve aberta ao diálogo e procurou conciliar os interesses pessoais destes profissionais. Neste sentido, a empresa permitiu durante a vigência do contrato que alguns dançarinos tivessem negócios de dança, como, estúdios de dança, criação de eventos proprietários, parcerias comerciais, linhas de roupas de dança, entre outras;
'Punições para intimidar trabalhadores': A relação pactuada entre as partes não permite a aplicação de punições ou intimidações entre contratante e contratado, e toda e qualquer alegação nesse sentido precisa ser analisada conforme os limites estabelecidos, não cabendo suposições ou conjecturas de uma relação que extrapola o contrato firmado entre as partes."
Fonte: Carol Prado, G1