Idosa toma vacinas contra a Covid-19 de dois fabricantes diferentes; 'é um erro muito grande', diz neto
A família de Encarnação Morata, de 90 anos, moradora de Lucélia (SP), afirma que a idosa recebeu doses de dois diferentes fabricantes das vacinas contra a Covid-19. Ela foi imunizada primeiro com a CoronaVac, em fevereiro, e depois com a vacina da Oxford/AstraZeneca, em março. "É um erro muito grande", afirmou ao G1 o técnico de enfermagem Alex Rosa de Assis, que é neto da idosa.
No dia 12 de fevereiro, a idosa recebeu a primeira dose da vacina. De acordo com o comprovante, o imunizante aplicado na ocasião foi a CoronaVac. “Ligamos para saber se eles poderiam ir na casa da minha avó, porque ela é acamada, mas disseram que não conseguiriam, que poderiam acabar as doses. Minhas primas colocaram a vó no carro e a levaram para o Centro de Saúde, e ela tomou a vacina dentro do carro”, explicou Assis, que trabalha como técnico de enfermagem em Botucatu (SP) e acompanhou o que aconteceu pelo grupo da família no aplicativo de troca de mensagens WhatsApp.
O momento foi registrado pela família e uma foto mostra quando uma profissional de saúde aplica a vacina no braço da mulher. No comprovante de vacinação, na área da primeira dose, constam escritos à caneta a unidade onde a dose foi aplicada (C. Saúde), a data (12/02/2021), o lote, o fabricante (CorovaVac) e o nome da pessoa que aplicou o imunizante.
Do outro lado, reservado para os dados da segunda dose, foi escrita a lápis a data "05/03/2021".
No dia 5 de março, a família solicitou a aplicação da segunda dose na casa da idosa, o que foi atendido. "Quando a minha tia postou no grupo da família o cartão com a dose da AstraZeneca, eu vi o erro", falou Assis.
Esse segundo comprovante de vacinação, na parte da primeira dose, mostra a data (05/03/2021), o lote, o fabricante (AstraZeneca) e o vacinador. Novamente, a data da segunda dose foi escrita a lápis, sendo 5 de junho de 2021.
Ele contou que ligou no Centro de Saúde e questionou o motivo da aplicação da “dose errada”. "No momento, só estava a minha tia junto com a minha vó. Eu liguei no Centro de Saúde e colocaram a culpa na minha família. Minha tia é leiga nesse assunto e é tudo muito novo também", relatou.
Assis afirmou que a responsabilidade do controle de qual dose deve ser aplicada é do município. "A responsabilidade é do Centro de Saúde. Eles aplicaram como se fosse uma primeira dose. Ou seja, eles não tinham o cadastro da vacina. Eu liguei várias vezes no Centro de Saúde, ficaram de dar uma resposta sobre o que aconteceu, mas eles ficavam colocando a culpa na família", disse.
Ele comentou que a preocupação da família, além da idade avançada da avó, era com os demais problemas de saúde dela. "Ela já teve câncer de pele, tem problema cardíaco, pressão alta e está acamada porque teve um AVC [Acidente Vascular Cerebral] isquêmico", pontuou.
Após insistir, o neto falou que o município informou que a idosa vai tomar a segunda dose da vacina CoronaVac no dia 19 de março. "Ainda bem que ela não teve reação com a vacina de Oxford, porque a gente sabe que tem provocado mais reações", comentou.
Por ser um profissional da área da saúde e ainda trabalhar na linha de frente de combate à Covid-19, ele salientou que sabe da importância de ser imunizado.
"Eu tive de correr por fora também. Procurei um infectologista, conversei com ele e expliquei o que aconteceu. Ele disse que o certo seria ela tomar a segunda dose da CoronaVac. É como se a da AstraZeneca fosse descartada", explicou.
O técnico de enfermagem destacou que a família se preocupou em imunizar a idosa contra o novo coronavírus e se deparou com uma situação preocupante.
"A gente queria a vó imunizada, em segurança. É como se eu tivesse ido tomar a vacina contra a hepatite e tivesse saído do Centro de Saúde imunizado contra a febre amarela. É um erro. É um erro muito grande. Um descaso, porque eles nem souberam explicar como esse erro aconteceu", lamentou o neto.
Ele ainda alertou para que as pessoas se atentem sobre as informações nos comprovantes de vacinação. "Pode ter acontecido com outras pessoas. Vale essa orientação para que as pessoas fiquem atentas. Muita gente nem fica de olho porque confia nos profissionais de saúde", finalizou.
Dose inválida
Por meio de nota, o diretor de Saúde e Saneamento de Lucélia, Laércio Parússolo dos Santos Júnior, afirmou que fez um levantamento junto aos servidores do Setor de Saúde sobre o caso da idosa.
“Informamos que, segundo levantamento junto aos servidores do Setor de Saúde local, a equipe que se dirigiu até a residência da paciente não fora informada pelos familiares da mesma que ela teria sido vacinada anteriormente, bem como não informaram a dose que teria sido utilizada”, explicou.
A reportagem questionou sobre o controle das doses aplicadas nos moradores. Sobre isso, ele salientou que, quando o paciente se desloca até a Unidade de Saúde para receber a dose da vacina contra a Covid-19, é realizada uma entrevista por meio de um formulário, “cujas informações são inseridas no Sistema VACIVIDA, onde, além dos dados do beneficiário, são informados todos os dados da dose que foi administrada, tais como: data de vacinação, lote e fabricante etc.”.
“Na hipótese de um paciente receber a vacina de um determinado laboratório, e receber outra dose de outro laboratório, consequentemente, a última dose aplicada é considerada inválida e a dose de reforço deverá ser feita conforme a 1ª dose, respeitando o intervalo mínimo de duas semanas a partir da dose que foi administrada equivocadamente, conforme orientações contempladas no Documento técnico - Campanha de Vacinação Contra a Covid”, finalizou o diretor de Saúde.
Confira abaixo, na íntegra, a nota enviada ao G1:
“Informamos que, segundo levantamento junto aos servidores do Setor de Saúde local, a equipe que se dirigiu até a residência da paciente não fora informada pelos familiares da mesma que ela teria sido vacinada anteriormente, bem como não informaram a dose que teria sido utilizada.
Considerando que, quando a paciente se desloca até a Unidade de Saúde para receber a dose da vacina para o combate da COVID-19, é realizada uma entrevista por meio de um formulário, cujas informações são inseridas no Sistema VACIVIDA, onde, além dos dados do(a) beneficiário(a), são informados todos os dados da dose que foi administrada, tais como: data de vacinação, lote e fabricante etc..
Considerando que, na hipótese de um paciente receber a vacina de um determinado laboratório, e receber outra dose de outro laboratório, consequentemente, a última dose aplicada é considerada inválida e a dose de reforço deverá ser feita conforme a 1ª dose, respeitando o intervalo mínimo de 02 semanas a partir da dose que foi administrada equivocadamente, conforme orientações contempladas no Documento técnico - Campanha de Vacinação Contra a COVID”.
O G1 também questionou a Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo e o Ministério da Saúde sobre a situação da idosa Encarnação Morata, sobre os procedimentos de registro das doses aplicadas, sobre o que deve ser feito em caso de aplicação de doses de diferentes fabricantes e sobre a responsabilização dos envolvidos no caso.
A Secretaria da Saúde do Estado informou, por meio de nota, que a reportagem deveria “procurar o município, que por sua vez deve prestar todos os devidos esclarecimentos, já que faz parte das atribuições de cada um dos 645 municípios do Estado vacinar o público-alvo de sua população”.
Já o Ministério da Saúde não se manifestou até o momento.
Falha no procedimento
O médico infectologista André Pirajá salientou ao G1 que, quando ocorre a aplicação de doses de diferentes fabricantes da vacina contra o coronavírus, o primeiro passo é "reconhecer o equívoco".
"Reconhecendo o equívoco, que tomou uma dose de uma vacina e uma segunda dose de outra, você reconhece que houve uma falha de um procedimento. Não é comum, mas pode ocorrer", pontuou.
Após o reconhecimento, a vacinação deve ter prosseguimento. "Se ela tomou a primeira dose da CoronaVac, ela deve ser imunizada com uma segunda dose da CoronaVac, seguindo o calendário vacinal normalmente, sem problema nenhum. Acredito que essa seja a forma mais plausível porque vai imunizar a senhora de uma forma mais rápida. Porque, se fosse seguir o calendário vacinal da AstraZeneca, teria de espera mais 12 semanas para, depois, terminar a segunda dose da vacinação", detalhou.
O médico também destacou que não há riscos ou danos à saúde por conta do equívoco da aplicação das diferentes doses. "Isso foi um evento adverso", ressaltou Pirajá.
Fonte: Heloise Hamada, G1 Presidente Prudente