Auxílio emergencial: senador mantém na proposta fim do piso de gastos para saúde e educação
BRASÍLIA — O senador Márcio Bittar (MDB-AC) apresentou oficialmente, nesta terça-feira, o seu relatório para a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que prorroga o auxílio emergencial em 2021. O texto entregue ao Senado acaba com a exigência de gastos mínimos para saúde e educação em União, estados e municípios.
A prorrogação do benefício prevê ainda uma brecha para congelar salários de servidores por dois anos no futuro. O Senado marcou para a próxima quinta-feira a sessão para votar a proposta. Até lá, o texto ainda pode mudar.
Como se trata de uma PEC, é necessário o apoio de pelo menos 49 senadores e 308 deputados em dois turnos de votação na Câmara e no Senado. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), disse que a desvinculação na saúde e educação não será imposta a senadores.
A Constituição hoje exige que estados e municípios apliquem ao menos 25% de sua receita resultante de impostos e transferências na manutenção e no desenvolvimento da educação.
No caso da União, o percentual mínimo era de 18% até 2017. O teto de gastos, porém, estipulou que a partir de 2018 a União investirá no mínimo o mesmo valor de 2017 mais o acréscimo da inflação do ano anterior medida pelo IPCA.
Na Saúde, o percentual mínimo é de 12% da receita para estados e 15% para municípios. A União também segue um piso atualizado pelo IPCA.
A proposta original do Ministério da Economia era unificar os dois pisos. Mas Bittar foi além. Para ele, é necessário criar "espaço adicional" para o atendimento de "inúmeras outras demandas sociais, que hoje precisam se contentar com migalhas orçamentárias".
"Acima de tudo, é inadequado e irreal buscar a imposição de regras rígidas e inflexíveis para toda a Federação. Brasília não deve ter o poder de ditar como cada estado e cada município deve alocar seus recursos. Essa tutela excessiva, às raias da ingerência, enfraquece nossa democracia, ao impedir que a população possa soberanamente fazer suas escolhas de políticas públicas", diz ele.
"As realidades em nosso país continental são heterogêneas, múltiplas, díspares, e, para se lhes fazer frente, demandam as mais variadas alocações orçamentárias, o que somente pode ocorrer em um cenário de flexibilidade orçamentária", justifica Bittar, no relatório.
O texto também acaba com a destinação de 28% da arrecadação do PIS e Pasep para o BNDES, já tentada pelo governo durante a reforma da Previdência em 2019.
— Com o relatório formalizado vamos intensificar as negociações! O presidente Rodrigo Pacheco (presidente do Senado) vai definir hoje o prazo para apresentação de emendas — disse ao GLOBO o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE).
Auxílio emergencial
O relatório prevê o pagamento do auxílio emergencial sem o corte de gastos de forma imediata, como era discutido até o fim do ano passado.
A proposta, porém, prevê congelar os salários dos servidores públicos e a contratação de pessoal por dois anos a partir da decretação do "Estado de Calamidade Pública", que depende de solicitação posterior do Executivo e autorização do Congresso.
O texto trata o auxílio emergencial como “residual”, com o objetivo de “enfrentar as consequências sociais e econômicas da pandemia da Covid-19”. Por isso, ele tira o auxílio das metas fiscais, do teto de gastos (que limita as despesas da União) e da regra de ouro (que impede o endividamento para pagar despesas correntes) durante o exercício financeiro de 2021.
O auxílio deve ser prorrogado em março pelo governo. Os valores e a duração ainda são discutidos e não foram incluídos na PEC, mas a tendência é de quatro pagamentos de R$ 250.
O governo e Bittar desistiram do corte imediato de despesas, como a revisão do abono salarial e o corte de salários e da redução das jornadas dos servidores públicos em 25%.
O relatório também prevê o congelamento de salários, contratações e progressão na carreira dos servidores públicos por dois anos a partir do momento de decretação do Estado de Calamidade Pública. Isso valerá para União, estados e muncípios.
Caberá ao Congresso a decretação da calamidade, após pedido do governo. A medida, portanto, não é automática, depende de solicação do governo e valerá de forma permanente.
O congelamento de salários para União, estados e municípios já está valendo este ano, como contrapartida a um socorro financeiro do governo federal aos estados e municípios para compensar a queda de arrecadação que ocorria em 2019. A medida, portanto, valeria por mais dois anos.
Como o GLOBO mostrou na semana passada, para Guedes, o congelamento em vigor já era suficiente para garantir o auxílio em 2021.
Orçamento de Guerra
O "Estado de Calamidade Pública" permitirá replicar o “Orçamento de Guerra” que vigorou no ano passado e permitiu o pagamento do auxílio emergencial até dezembro e de outros programas governamentais, além da liberação de recursos para a saúde, sem seguir as regras fiscais.
Esse regime também permitirá que o governo federal adote “processos simplificados de contratação de pessoal, em caráter temporário e emergencial, e de obras, serviços e compras”.
A PEC também regulamenta o que o governo chama de “gatilhos” para corte de gastos de União, estados e municípios. Essa medida é estrutural e de longo prazo e já era prevista na PEC do Pacto Federativo.
No caso de estados e municípios, esses gatilhos poderão ser acionados sempre que as despesas correntes superarem em 95% as receitas correntes num período de 12 meses. Governadores e prefeitos não são obrigados a adotar as medidas, como o congelamento de salários de servidores. A ativação aos 85% é opcional e dependerá do aval do Legislativo.
Para a União, a métrica será quando as despesas obrigatórias atingirem 94% das despesas totais.
Outras medidas
Pelo texto, o presidente Jair Bolsonaro terá que encaminhar em seis meses a partir da promulgação da PEC um projeto ao Congresso um plano para detalhar cortes de benefícios tributários. Os cortes deverão ser de 10% no primeiro ano. Os custos desses benefícios deverão ser reduzidos de 4,2% do PIB hoje para 2% em oito anos.
A proposta ainda apresenta outras medidas de longo prazo. Afirma que deve ser observado, na promoção e na efetivação dos direitos sociais, “o equilíbrio fiscal intergeracional”. Diz também que uma lei, no futuro, irá tratar da sustentabilidade da dívida pública.
Essa lei deve observar indicadores dea apuração, níveis de compatibilidade dos resultados fiscais com a trajetória da dívida, trajetória de convergência do montante da dívida com os limites definidos em legislação, medidas de ajuste, suspensões e vedações, e planejamento de alienação de ativos com vistas à redução do montante da dívida.
A proposta também proibe a vinculação das receitas públicas a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas as receitas oriundas da arrecadação de taxas, contribuições, doações, empréstimos compulsórios e de atividades de fornecimento de bens ou serviços e a repartição com estados e municípios.
Fonte: Manoel Ventura e Geralda Doca/O Globo