Alunos da UFS temem perder cursos por suposta violação nas cotas
Um grupo de estudantes da Universidade Federal de Sergipe (UFS) está com receio de os seus respectivos cursos serem cancelados após o entendimento da instituição de que houve uma suposta violação ao sistema de cotas. A UFS concluiu no dia 25 de novembro a análise dos recursos apresentados pelos alunos que foram reprovados pela Comissão de Heteroidentificação estabelecida pela instituição em junho deste ano.
Segundo um dos estudantes da UFS, que está na reta final do curso, sua rotina mudou completamente há menos de um mês. “Está sendo muito difícil para mim assimilar o que vem acontecendo. Eu corro o risco de ter a minha matrícula cancelada e perder tudo o que já cursei até o momento” desabafa.
O aluno explica que ingressou na UFS em 2017 e que naquela época bastava apenas a autodeclaração para ter acesso ao sistema de cotas. “Embora eu tivesse nota suficiente para passar sem o uso das cotas, eu não queria negar minha ancestralidade e minha história. Por isso me declarei pardo”, explica.
O estudante conta ainda que o início do imbróglio começou em de 2020, quando um perfil criado numa rede social passou a divulgar imagens de estudantes que, segundo os proprietários da conta, teriam fraudado o sistema de cotas da Universidade. A conta, que foi chamada de “Ufsfraudes”, já foi apagada por suspeita de disseminar, sem qualquer critério, informações injuriosas contra os alunos beneficiados pelo sistema de cotas.
A partir de então, o aluno diz que a UFS passou a adotar oficialmente em junho de 2021 um outro critério para “conferir” se os estudantes, de fato, fazem jus ao sistema de cotas. Desse modo, surgiu a banca de heteroidentificação, que consiste num procedimento de checagem, através de representantes de grupos étnicos, para o preenchimento dos requisitos para utilização das cotas étnico-raciais.
“Fui submetido ao exame por essa comissão e infelizmente tive o meu pedido indeferido. Sendo que eu expliquei todo o meu caso em particular, apresentei fotos da minha família. Enfim, fiz tudo o que era possível. Mas mesmo assim a Universidade não me deu uma justificativa para indeferir o meu pedido”, lamenta.
De acordo com o advogado Alex Barreto, que representa alguns estudantes da UFS, a postura da Universidade vai de encontro aos princípios básicos de legalidade e impessoalidade. “Qual o critério adotado pela Universidade na seleção dos alunos que tiveram que passar por esse processo de checagem? Foi tudo baseado em boato? O próprio juiz que deu uma liminar favorável a um dos alunos da UFS foi contundente ao destacar que a universidade estava agindo impulsionada por fofoca”, resume.
Ainda segundo Barreto, a UFS só adotou de forma institucional a banca de heteroidentificação neste ano. Desse modo, o método de checagem não pode retroagir para anos anteriores. “Quando a gente se submete a um concurso, por exemplo, estamos sujeitos às exigências daquele edital. Sendo assim, se os editais anteriores não previam esse modo de checagem, não tem o porquê a universidade fazer essa exigência agora”, reforça o advogado.
Na decisão judicial movida por um dos alunos, o juiz federal Ronivon de Aragão declarou a impossibilidade de a UFS convocar o aluno para procedimento de submissão à banca de heteroidentificação, de forma retroativa e sem a apresentação de qualquer motivo específico (justa causa) para tal convocação.
“A realização da banca, pela UFS, é a “institucionalização” da fofoca, a qual resulta, para a vítima, sofrimento patogênico, ou seja, aquele diretamente relacionado aos danos psicológicos, sociais ou físicos […] Vou além: a fofoca é antidemocrática (colho essa expressão de palestra, sem registro acadêmico encontrado, proferida pela professora Marilena Chauí na mesma Universidade Federal de Sergipe, em tempos passados). Isso porque a fofoca protege o infrator pelo anonimato; destrói a vítima sem lhe permitir a defesa; e institucionaliza a desconfiança e a quebra das posturas leais que são a base de uma organização”, escreveu o magistrado da 2ª Vara Federal da Seção Judiciária de Sergipe.
UFS
Em nota, a UFS esclareceu que a convocação extraordinária para apuração de denúncias de possíveis irregularidades na autodeclaração de pretos ou pardos’ (Edital Nº 58/2021/Prograd) é fruto de um compromisso firmado entre a universidade e o Ministério Público Federal (MPF), após vir a público acusações de supostas fraudes em processos seletivos para ingresso de alunos.
“Assim, foi firmado o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) Nº 001/2020, em que a UFS se comprometeu com o MPF a receber e apurar os casos de denúncia de fraude por parte de alunos que ingressaram na instituição por meio de cotas para população preta, parda e indígena. A universidade instituiu, ainda, a Resolução Nº 23/2021/CONEPE, que regulamenta os procedimentos de heteroidentificação complementar à autodeclaração dos candidatos negros (pretos e pardos) para fins de preenchimento das vagas reservadas em todos os processos seletivos para ingresso em cursos de graduação e pós-graduação”, explica a universidade.
Ainda segundo a UFS, através do edital nº 58, foram convocados 126 discentes, que passaram por entrevista presencial em banca de heteroidentificação e, seguindo os critérios com base no fenótipo – e não no genótipo – do indivíduo, deferiu, na primeira banca, 17 casos de denunciados, validando seu ingresso na UFS por meio das cotas. Ainda na primeira banca de avaliação, 89 casos foram indeferidos, 10 não compareceram, nove não compareceram por decisão judicial e um apresentou cancelamento de vínculo com a UFS no dia da aferição.
“Já na banca recursal apenas um discente foi deferido após o recurso. Dos que não compareceram, três apresentaram recurso que foram deferidos pela banca recursal e serão convocados para nova avaliação. Ressalta-se que o resultado de bancas de heteroidentificação como “indeferido” não implica em cancelamento automático da matrícula dos alunos na instituição. Por fim, a UFS deverá enviar a relação dos alunos identificados em relatório técnico para apreciação do MPF, e adoção das providências cabíveis”, finaliza a nota.
Fonte: João Paulo Schneider/Infonet