'Totalmente desumano o que passei', diz funcionária demitida após 'paredão de eliminação' em empresa de Fortaleza

'Totalmente desumano o que passei', diz funcionária demitida após 'paredão de eliminação' em empresa de Fortaleza
A decisão do juiz foi publicada no início do mês de maio pela 16ª Vara do Trabalho de Fortaleza. — Foto: TRT-CE/Divulgação

“Totalmente desumano o que eu passei. Uma coisa que não desejo nem para o meu pior inimigo. Não desejo para ninguém”. Uma das funcionárias demitidas no “paredão da demissão” de uma empresa de turismo, em Fortaleza, revela que carrega, até hoje, o trauma do episódio que aconteceu em agosto de 2019. Ela terá a identidade preservada.

Neste mês de maio, a Justiça do Trabalho do Ceará condenou uma empresa de turismo a pagar indenização por danos morais a uma consultora de vendas que foi demitida em uma votação pelos colegas de trabalho durante um procedimento similar ao “paredão de eliminação do BBB”, o reality show Big Brother Brasil, como descrito no processo. A decisão é de primeiro grau e cabe recurso. A funcionária conversou com o G1 e narrou o trauma da experiência.

“Acredito que vai ser um trauma que eu vou carregar para o resto da minha vida. Em algum momento, talvez eu tenha isso como um aprendizado, mas na verdade, foi um misto de emoções”, declara a consultora de vendas. Ela revelou que no dia do "paredão" o gestor estava bravo e convocou a reunião pois nenhuma venda havia sido concretizada naquele expediente.

A situação chocou também a advogada Cintia Cordeiro Nogueira, responsável pela defesa da consultora de vendas. “Quando esse caso chegou ao nosso conhecimento, ficamos estarrecidas com tudo que foi relatado. Nós, imediatamente, vimos que foi uma prática abusiva, de assédio moral, que não podia ficar impune”, comenta a jurista, que trabalha também com Cristina Barros Leal, outra advogada do caso.

A experiência, classificada pela advogada como assédio moral, foi tão desgastante, que dificultou até o processo de reação da vítima. “No começo, eu fiquei em choque. Eu queria muito entrar com a ação, mas no começo o trauma foi tão pior que eu não conseguia conversar sobre esse assunto, porque mexia na minha ferida”, revela a ex-funcionária da empresa de turismo.

Ela diz que decidiu seguir com a ação judicial também pelo apoio de pessoas próximas, que a aconselhavam a não deixar a situação impune. A família, inclusive, a ajudou financeiramente para os custos do processo. E para a consultora, a situação foi ainda pior porque um mês antes de ter ocorrido o "paredão", ela havia pedido demissão de uma empresa onde trabalhava.

A advogada reforçou ainda que o assédio moral consiste em práticas abusivas de um superior hierárquico contra um subordinado, expondo-o a situações que causam constrangimento, vergonha e abalam a estima e seu psicológico; atingem a honra e a dignidade da pessoa que sofre o assédio.

Ela explica também que a responsabilização de quem pratica tais atos, além de fazer a justiça no caso concreto, deve servir de exemplo para que essas atitudes não se repliquem no ambiente de trabalho.

O trauma para a consultora de vendas foi intenso ao ponto de deixá-la meses sem trabalhar; e durante os processos seletivos que participou, alguns termos ou comportamentos dos contratantes engatilhavam lembranças do momento da demissão.

Versão das empresas

A empresa Somos Case Gestão de Timeshare e Multipropriedade Ltda, na contestação, negou o vínculo de emprego com a ex-funcionária, tampouco qualquer prestação de serviços a seu favor. A empresa afirmou que as alegações não procedem e pediu a denunciante fosse condenada e multada por "litigância de má-fé".

Já a ré MVC Férias e Empreendimentos Turísticos e Hotelaria alegou que não houve relação jurídica com a vendedora, sustentando que sua real empregadora era a outra empresa, e também negou a existência de grupo econômico.

A Justiça considerou que parte das acusações têm procedência e condenou as empresas, sendo ambas responsáveis pelo pagamento da indenização.

Recurso contra a indenização

A Justiça do Trabalho do Ceará definiu que a indenização por danos morais, somada aos direitos trabalhistas pela demissão, deve ser paga no valor de R$ 14 mil. A quantia é vista como insuficiente tanto pela vítima, quanto pela profissional de defesa, por isto, elas pretendem recorrer da decisão judicial e solicitar que um valor maior seja pago.

“No ato de mensurar, calcular o valor da indenização, nós entendemos que o valor que ele aplicou foi ínfimo diante de todo o transtorno que ela passou. Ela passou uma humilhação muito grande. A natureza da indenização é uma forma de compensar a vítima pelo dano que sofreu; e uma forma de coibir que a empresa ou outras pessoas voltem a praticar esse ato”, comenta Cintia Cordeiro.

"Na verdade foi um valor tão irrisório que não paga nem 1% do constrangimento que eu passei", complementa a vítima.

Fonte: Samuel Pinusa, G1 CE