Testes rápidos não são tão eficazes para detectar coronavírus em crianças, apontam estudos preliminares

Testes rápidos não são tão eficazes para detectar coronavírus em crianças, apontam estudos preliminares
Falta de certeza sobre eficiência de testes rápidos em crianças pode atrapalhar discussão sobre retorno às aulas presenciais Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo 15-09-2020

NOVA YORK — Enquanto a Covid-19 se espalha, especialistas em saúde pedem maior acesso aos testes que ajudarão a rastrear e conter a disseminação rápida e muitas vezes silenciosa do vírus. Mas algumas das ferramentas de diagnóstico mais baratas podem não funcionar como prometido em um contingente crucial da população, na qual já estavam sendo usadas: crianças, cujos corpos podem tornar o coronavírus mais difícil de detectar.

Um pequeno, mas crescente número de evidências, algumas das quais ainda não foram publicadas em um jornal científico revisado por pares, sugere que alguns testes rápidos para o coronavírus podem falhar em pessoas muito jovens, deixando infecções de baixo nível passar despercebidas.

Em um estudo recente com mais de 1.600 pessoas em Massachusetts, o Binax NOW, um teste rápido fabricado pelo laboratório Abbott, detectou 96,5% das infecções por coronavírus encontradas por um teste laboratorial mais preciso em adultos com sintomas. Mas o teste rápido detectou apenas 77,8% dos casos sintomáticos em pessoas com 18 anos ou menos. Entre as pessoas sem sintomas, o teste vacilou ainda mais, identificando 70,2% dos adultos e 63,6% das crianças.

Outro artigo recente, publicado em novembro na Clinical Microbiology and Infection, descobriu que um teste rápido diferente da Abbott, chamado PanBio, identificou apenas 62,5% dos casos de coronavírus em pessoas com 16 anos ou menos, em comparação com 82,6% das infecções em adultos, embora o o número de amostras pediátricas testadas foi pequeno.

As crianças raramente parecem ter casos graves de Covid-19, e os mais novos também têm menos probabilidade de transmitir o coronavírus para outras pessoas. Mas as novas descobertas devem encorajar estudos mais aprofundados de ferramentas de diagnóstico para o vírus em populações pediátricas, disseram especialistas em saúde.

— Neste momento, acho que ainda é totalmente possível que esses testes funcionem da mesma maneira (em crianças e adultos) — disse Nira Pollock, diretora médica associada do laboratório de diagnóstico de doenças infecciosas do Hospital Infantil de Boston e uma das pesquisadores que lideraram o estudo de Massachusetts.

Mas, sem dados sólidos que demonstrem o desempenho do diagnóstico de coronavírus em crianças, ela acrescentou, seria um erro presumir que os jovens farão o teste tão facilmente quanto os adultos.

Crianças e adolescentes não foram incluídos em testes clínicos

No entanto, o desempenho dos testes parece ter sido dado como certo. O Binax NOW, que recebeu luz verde de emergência da Food and Drug Administration (FDA, órgão equivalente à Anvisa no Brasil) em agosto, não foi testado em ninguém com menos de 22 anos antes de a Abbott buscar a autorização da agência federal. Mesmo assim, o governo já comprou milhões desses testes e começou a distribuí-los para governadores e comunidades vulneráveis, incentivando seu uso nas escolas como ferramentas de triagem.

Outro teste rápido da Abbott, o ID NOW, também excluiu pessoas com 21 anos ou menos dos primeiros estudos, mas já apareceu em clínicas em todo o país. E um teste rápido amplamente usado chamado Veritor, feito pela Becton, Dickinson and Company, não foi avaliado em pessoas com menos de 18 anos, mas foi publicamente escolhido para uso em escolas. Várias outras empresas de teste rápido, incluindo Access Bio e LumiraDx, incluíram um pequeno número de menores em seus estudos preliminares, mas se recusaram a fornecer dados sobre o desempenho em todas as idades.

Na medicina, muitas vezes as crianças “são consideradas apenas versões em miniatura de adultos”, disse Jennifer Dien Bard, diretora do laboratório de microbiologia clínica e virologia do Hospital Infantil de Los Angeles.

— Mas eles não são apenas pequenos adultos. É muito importante que em qualquer teste disponível existam estratégias específicas oferecidas para crianças e suas necessidades específicas — disse.

Na pressa para liberar os tratamentos, vacinas e diagnósticos para uso generalizado, as empresas muitas vezes negligenciam a inclusão de crianças nos primeiros estudos que testam se os produtos ou terapias são seguros e eficazes. Mas os testes para vírus, bactérias e outros micróbios infecciosos que produzem resultados positivos para adultos nem sempre se traduzem perfeitamente para crianças.

As razões por trás dessas diferenças nem sempre são óbvias, disse Pollock. Por exemplo, o sistema imunológico das crianças pode ser melhor em localizar e sequestrar certos invasores infecciosos, tornando-os mais difíceis de detectar com os testes padrão.

Baixa quantidade de vírus dificulta o teste rápido em crianças
Em um estudo , publicado no Journal of Clinical Microbiology em outubro, a médica Pollock e sua equipe reuniram dados de nove hospitais pediátricos em todo os EUA, todos relatando contagens relativamente escassas do vírus em crianças sem sintomas. Outro, que ainda não foi publicado em uma revista científica revisada por pares, sugeriu uma tendência semelhante em crianças doentes.

Os testes de laboratório, como aqueles que usam uma técnica chamada reação em cadeia da polimerase, ou PCR, são sensíveis o suficiente para descobrir essas infecções de baixo nível, disse  Pollock. Mas o vírus pode não estar presente em quantidades altas o suficiente para ser descoberto por um teste rápido, como aqueles que detectam apenas quantidades relativamente grandes de antígenos ou pedaços de proteínas do coronavírus. O Binax NOW é um desses testes.

— (Muitas dessas crianças) vão ser negativas nos testes rápidos. Isso afeta a forma como pensamos sobre os ambientes escolares e creches — disse Pollock.

Fonte: Katherine J. Wu, do New York Times