Nome social no título de eleitor cresce 4 vezes em 4 anos; maioria dos eleitores trans têm menos de 25 anos
O número de pessoas que solicitaram a inclusão de nome social no título de eleitor cresceu quatro vezes desde 2018, quando foi permitido pela primeira vez esse registro. A quantidade passou de 7,9 mil, em 2018, para 37,6 mil neste ano.
A divisão desse segmento, no entanto, não é homogênea ao longo do eleitorado: 58% desse público tem de 16 a 24 anos. Se acrescentarmos os eleitores com até 29 anos, o percentual chega a 71,5%.
Taylor Correa, de 24 anos, é um desses jovens trans que começaram a exercer, quase simultaneamente, o direito de votar e o de usar o nome social.
Em 2020, Taylor participou da eleição como mesário em Uberlândia (MG). Embora tenha perdido o prazo naquele ano para fazer a mudança do título de eleitor, o seu crachá de mesário já foi emitido com o nome social.
“Eu ainda não havia começado o tratamento hormonal, e pretendia fazer a retificação de todos os documentos de uma vez. Mas eles me chamaram para ser mesário já depois do período de mudança do título. Entrei em desespero pensando que trabalharia o dia inteiro com um crachá pendurado com meu nome de registro, e mandei um e-mail explicando a situação”, conta Taylor.
O gerente de loja afirma que teve uma agradável surpresa ao perceber que o pedido foi atendido e que pôde, pela primeira vez, ser tratado oficialmente no masculino. No entanto, o nome feminino de registro ainda constava no caderno de ata da sessão eleitoral, o que foi motivo de constrangimento.
“Eu fiquei muito feliz, foi uma surpresa muito boa ter o crachá. Apesar de não ter passado pela transição ainda, eu estava sendo tratado como homem. Mas do pessoal que teve acesso ao meu nome de registro [outros mesários], houve um tratamento diferente.”
Nas eleições deste ano, já com o título retificado, ele poderá exercer o voto e ter o todo o tratamento no masculino na documentação oficial da sessão eleitoral caso seja convocado novamente para ser mesário.
Direito a votar com o nome social
Pessoas transgênero e travestis passaram a ter direito à inclusão do nome social no título de eleitor após uma portaria do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de 2018.
A medida considerou a autodeclaração suficiente para a emissão do documento, não sendo preciso apresentar outro documento oficial com o nome retificado e nem comprovar a realização de cirurgia de adequação de gênero, por exemplo.
Para Keila Simpson, presidente da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra), a gratuidade e simplicidade no procedimento contribuíram para o aumento expressivo de novos registros nesta eleição.
“Quando o processo é mais simplificado, a tendência é que as pessoas façam mais rapidamente. No título de eleitor você consegue fazer muito fácil, já a retificação do Registro Civil precisa de uma série de documentos que muitas pessoas não têm acesso. Precisam recorrer a organizações, mutirões, porque também não conseguem pagar [as taxas de cartório]”, diz Keila.
De acordo com a presidente da associação, o uso do nome social é uma conquista importante, mas ainda pouco acessível para a população trans.
“Esse aumento é significativo, mas o número ainda não é representativo. A população trans é muito maior que 38 mil pessoas, e ainda está muito distante de mecanismos sociais para reconhecer seus direitos. Quando consideramos a dimensão continental do Brasil e a questão da popularização da internet, tem muita gente que não tem acesso", diz a presidente da Antra.
Segundo os dados do TSE, o total de eleitores com nome social cadastrado representa apenas 0,02% do eleitorado apto em 2022. Não há estimativas oficiais do número de pessoas trans no Brasil.
Participação política dos jovens
Keila Simpson considera que a campanha de incentivo ao voto dos jovens, que ocorreu nas redes sociais com a participação de artistas, contribuiu também para o fato de serem as pessoas com menos de 24 anos as que mais buscaram o nome social no título.
“As redes sociais ajudaram bastante, mas é tudo um processo fruto da luta de muitos anos. Quando houve essa grande campanha para que os jovens tirassem o título, muitos jovens trans também fizeram já com o nome social. É para eles que a gente está chamando a responsabilidade nessas eleições, para garantir o Brasil futuro”, diz a presidente da Antra.
Taylor Correa também foi mesário em 2018, na sua primeira eleição, mas afirma que não se voluntariou e nem se interessava por política na época. A situação mudou após sofrer ameaças verbais de eleitores enquanto trabalhava.
“E não estava a fim de votar e nem de ser mesário. Tanto é que votei em branco. Mas teve eleitor que viu meu cabelo curto e as roupas masculinas e falou pra mim que estava votando em determinado candidato justamente pra poder ‘acabar com isso’.”
“Até a gente chegar onde está agora, a política não parecia tão importante para quem tinha 18 anos. Política não era um assunto que eu costumava tratar, eu me mantinha o mais longe possível. Mas quando isso passou a ser necessário, eu me envolvi muito mais. Depois das eleições de 2018 não foi mais possível esse assunto não vir à tona”, afirma Taylor.
O jovem diz ainda que juntou dinheiro por cerca de um ano para que conseguisse, em março deste ano, realizar a retificação completa de seus documentos, com certidão de nascimento e RG além do título de eleitor, o que custou aproximadamente R$ 900.
Fonte: Marina Pinhoni e Victor Farias, G1