Justificativa dada pela polícia para operação no Jacarezinho, aliciamento de menores pelo tráfico não é citado em relatório da investigação

Justificativa dada pela polícia para operação no Jacarezinho, aliciamento de menores pelo tráfico não é citado em relatório da investigação
Agentes entraram no Jacarezinho na última quinta-feira (6) com a ajuda de blindados devido a barreiras do tráfico Foto: Fabiano Rocha / Agência O Globo

RIO — O relatório final do inquérito da Delegacia de Proteção à Criança e Adolescente (DPCA), que deu origem à operação da Polícia Civil na última quinta-feira, no Jacarezinho, não faz menção ao aliciamento de menores pelo tráfico de drogas. Esse era um dos argumentos usados pela corporação para justificar a necessidade de realizar a incursão na favela. No documento, ao qual o GLOBO teve acesso, os investigadores demonstram a participação de 21 suspeitos no tráfico de drogas com base na análise de postagens no Twitter em que eles aparecem com armas de fogo, divulgam a venda de drogas e fazem apologia à facção criminosa da qual fazem parte.

A denúncia do Ministério Público, produzida com base no relatório da polícia, também não faz qualquer citação a esses aliciamentos. Em entrevista à imprensa na quinta-feira, integrantes da cúpula da Polícia Civil afirmaram que a operação foi realizada para cumprir os 21 mandados de prisão que tiveram origem na investigação da DPCA e expedidos pela Justiça. Os membros do alto escalão da corporação também citaram práticas adotadas pelo tráfico, como o aliciamento, homicídios — com sumiço de corpos —, roubos e “atos terroristas” contra trens da Supervia para explicar a necessidade de se realizar a incursão na favela. Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) havia suspendido as operações policias, exceto em casos excepcionais.

— A operação de hoje foi fruto de uma investigação de cerca de 10 meses. Essa investigação tinha como alvo o Jacarezinho, tendo em vista que uma das facções que atuam no Rio tem influência naquela comunidade e a DPCA estava fazendo uma investigação acerca dos traficantes que, de alguma forma, aliciam menores para atuar no tráfico. Além de toda a sorte de crimes que eles praticam — afirmou o delegado Felipe Curi, diretor do Departamento Geral de Polícia Especializada (DGPE), em entrevista à imprensa na quinta-feira.

Polícia defende operação

O subsecretário Operacional da Polícia Civil, delegado Rodrigo Oliveira, foi na mesma linha e questionou o critério de excepcionalidade usado pelo STF:

— Não é razoável supor, como estava acontecendo, e tudo isso devidamente registrado na investigação, que crianças fossem aliciadas pelo tráfico de drogas. No nosso entendimento, é mais do que uma excepcionalidade.

Ontem, a assessoria de imprensa da Polícia Civil informou que a operação do Jacarezinho foi baseada “em várias informações e trabalhos de inteligência” e acrescentou que outros inquéritos foram abertos pela DPCA para apurar o aliciamento de menores, e o sequestro de trens, entre outros crimes.

O inquérito que deu origem aos mandados de prisão teve início na 25ª DP (Engenho Novo), responsável pela área do Jacarezinho. Em maio de 2020, dois policiais militares da UPP da comunidade — que atualmente atua no acesso da favela — foram à delegacia para entregar um material de consulta feito ao perfil no Twitter de três suspeitos de integrarem o tráfico local. Dois meses depois, o delegado titular da 25ª DP, Pedro Bittencourt Brasil de Araújo, determinou a abertura de inquérito.

Em setembro do ano passado, transferido para a DPCA, Bittencourt conseguiu a transferência do inquérito para a especializada . Na quinta-feira, o titular da DPCA era um dos nove delegados que coordenavam a operação no Jacarezinho.

O advogado Daniel Sarmento, que representa o PSB na ação do STF, afirma que a polícia descumpriu a decisão judicial. Segundo ele, a operação se justificaria caso houvesse, por exemplo, alguém em risco de vida, sequestrado ou ameaçado pelos traficantes.

— Uma investigação sobre tráfico de drogas certamente não é uma circunstância excepcional. É algo do dia a da polícia — afirma.

Fonte: Carolina Heringer/O Globo.com