Bolsonaro tentou sabotar medidas para conter Covid-19, diz Humans Rights Watch

Bolsonaro tentou sabotar medidas para conter Covid-19, diz Humans Rights Watch
Presidente Jair Bolsonaro é satirizado por grafite no bairro do Estácio, na Zona Norte do Rio Foto: Luiza Moraes / Agência O Globo

RIO — O presidente Jair Bolsonaro tentou sabotar as medidas para conter o contágio do novo coronavírus. Esse é o entendimento da organização internacional Humans Rights Watch (HRW) em seu relatório anual sobre os direitos humanos no mundo, divulgado nesta quarta-feira. Além da resposta à pandemia, o documento critica ainda a conduta do governo brasileiro em relação à preservação ambiental e às liberdades individuais: 

“O governo Bolsonaro promoveu políticas que contrariam os direitos das mulheres e os direitos das pessoas com deficiência, atacou a mídia independente e organizações da sociedade civil, e enfraqueceu os mecanismos de fiscalização da legislação ambiental, na prática dando carta branca às redes criminosas envolvidas no desmatamento ilegal na Amazônia e que ameaçam e atacam os defensores da floresta”, diz o relatório. 

Em relação à Covid-19, a HRW criticou a conduta que Bolsonaro teve ao longo de toda a crise sanitária — desde as declarações que minimizavam a doença, chamando-a de “gripezinha”, até a tentativa de impedir os estados de imporem o isolamento social, passando pela troca de seus ministros da Saúde. No entanto, segundo a organização internacional, os esforços do presidente foram frustrados pelas demais instituições brasileiras. 

— O presidente Bolsonaro expôs a vida e a saúde dos brasileiros a grandes riscos ao tentar sabotar medidas de proteção contra a propagação da Covid-19 — diz a diretora adjunta da HRW no Brasil, Anna Livia Arida. — O Supremo Tribunal Federal e outras instituições se empenharam em proteger os brasileiros e em barrar muitas, embora não todas, as políticas antidireitos de Bolsonaro. Essas instituições precisam permanecer vigilantes.

Populações afetadas

Até o momento, o coronavírus já matou mais de 204 mil pessoas no Brasil e infectou outras 8,1 milhões. A organização ressalta que a população negra teve maior probabilidade de ser afetada pela doença e morrer em hospitais do que outros grupos raciais. Entre os motivos para isso, o relatório cita as taxas mais altas de informalidade entre trabalhadores negros, o que os impedia de trabalhar de casa, e a maior prevalência de doenças preexistentes.

A Humans Rights Watch cita outras duas populações impactadas pela Covid-19 e que foram alvos de tentativas do governo federal de frear os esforços contra a pandemia: os povos indígenas e a população carcerária. 

De acordo com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), mais de 44 mil casos do coronavírus foram confirmados e houve 917 mortes pela doença. O número de etnias afetadas é de 161. A população é considerada mais vulnerável devido ao acesso insuficiente a cuidados de saúde e à prevalência de doenças respiratórias ou crônicas. Ainda assim, Bolsonaro vetou parcialmente um projeto de lei aprovado pelo Congresso, em junho, que obrigava o governo a fornecer atendimento médico emergencial e assistência à população indígena. 

Em agosto, o Congresso derrubou os vetos presidenciais. O STF também obrigou o governo a elaborar um plano de enfretamento da Covid-19 para os indígenas. 

Já em relação à população carcerária, o presidente vetou, em julho, um artigo de um projeto de lei que exigia o uso de máscaras em unidades prisionais e centro socioeducativos. Segundo o último boletim do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), de 23 de dezembro, 129 mortes e mais 41 mil casos da Covid-19 foram confirmados entre presos. Os agentes e servidores do sistema prisional também foram afetados: mais de 12 mil foram infectados e 93 morreram. 

Esse veto de Bolsonaro também foi derrubado depois, desta vez pelo STF, que concluiu que ele não atendeu ao trâmite processual e restabeleceu o artigo da lei.

Ataques ao meio ambiente

Pelo segundo ano seguido, a Humans Right Watch critica a política ambiental de Bolsonaro, que segundo a organização  dá “carta branca às redes criminosas envolvidas no desmatamento ilegal” ao enfraquecer a fiscalização de leis e multas, além de transferir responsabilidades de órgãos de combate para Forças Armadas, que carecem de experiência na área e de treinamento para evitar a destruição da fauna e da flora brasileiras. 

De acordo com o relatório, as políticas do governo e a retórica do presidente contra a proteção do meio ambiente “contribuíram com a destruição de cerca de 11.000 quilômetros quadrados de floresta amazônica entre agosto de 2019 e julho de 2020 — a maior taxa em 12 anos”.  O documento afirma ainda que, no ano passado, o número de focos de incêndio na Amazônia aumentou 16%.

Já no Pantanal, outro bioma brasileiro afetado pelas queimadas, mais de um quarto de sua planície foi destruída pelo fogo — a maior devastação em mais de duas décadas. De acordo com a HRW, as queimadas são causadas intencionalmente, em grande parte de forma ilegal, com o objetivo de suprimir a vegetação.

— As políticas do presidente Bolsonaro têm sido um desastre para a floresta amazônica e para as pessoas que a defendem — diz Arida, que continua: — Ele culpa indígenas, organizações não governamentais e moradores pela destruição ambiental, em vez de agir contra as redes criminosas que impulsionam a ilegalidade na Amazônia.

Fonte: Camila Zarur/O Globo