Saúde edita portaria que obriga médicos a avisar polícia para fazer aborto legal de vítimas de estupro

Saúde edita portaria que obriga médicos a avisar polícia para fazer aborto legal de vítimas de estupro
Ministro interino da Saúde, Eduardo Pazuello Foto: Ministério da Saúde/Divulgação

BRASÍLIA — O Ministério da Saúde editou nesta sexta-feira uma portaria que obriga médicos e profissionais da saúde a notificarem a polícia ao acolherem mulheres vítimas de estupro que procurem uma unidade de saúde pública para realizar um aborto. A interrupção da gravidez é permitida no Brasil nessa situação. A medida, publicada no Diário Oficial da União (DOU) desta sexta-feira, é assinada pelo ministro interino Eduardo Pazuello.

A norma ainda determina que, no termo de consentimento que as pacientes assinam para fazer a interrupção da gestação, haja uma lista dos riscos e dos desconfortos decorrentes do procedimento. Além disso, os médicos devem informar as mulheres que elas podem ver o feto ou embrião por meio de um exame de ultrassom antes da realização do aborto.

A norma informa ainda que "os profissionais mencionados deverão preservar possíveis evidências materiais do crime de estupro a serem entregues imediatamente à autoridade policial, tais como fragmentos de embrião ou feto com vistas à realização de confrontos genéticos que poderão levar à identificação do respectivo autor do crime"

O ato desta sexta diz ainda que a medida pretende "garantir aos profissionais de saúde envolvidos no procedimento de interrupção da gravidez segurança jurídica efetiva para a realização do aludido procedimento nos casos previstos em lei".

A determinação do ministério foi publicada menos de duas semanas após o caso da menina de 10 anos que abortou em Recife. Ela engravidou depois de ser estuprada no Espírito Santo.

No Brasil, o aborto é legal em três situações: quando é consequência de estupro; se há risco de vida para a mãe; ou se o feto é anencéfalo. A não ser nessas hipóteses, o aborto provocado no país é crime tipificado no Código Penal.

Uma norma técnica de 2005 do Ministério da Saúde, chamada "Atenção Humanizada ao Abortamento", deixava claro que a lei não exige a comunicação à polícia da violência sexual sofrida por pacientes que queiram acessar o serviço do aborto legal.

"O Código Penal não exige qualquer documento para a prática do abortamento nesses casos e a mulher violentada sexualmente não tem o dever legal de noticiar o fato à polícia. Deve-se orientá-la a tomar as providências policiais e judiciais cabíveis, mas, caso ela não o faça, não lhe pode ser negado o abortamento", afirma a norma.

A lei 13.931, de 2019, no entanto, passou a determinar a notificação obrigatória de casos de violência contra mulher. Alvo de crítica de movimentos pelos direitos humanos, a legislação agora foi incorporada na nova portaria para a rede de saúde pública.

Repercussão

Em rede social, parlamentares da bancada feminina do Congresso criticaram a portaria. A avaliação é que a medida pode dificultar o acesso de mulheres vítimas de violência sexual ao procedimento legal do aborto. 

A deputada Sâmia Bonfim (PSOL-SP) classificou a medida como "absurda" e disse que as deputadas da bancada de oposição irão tentar derrubar a medida.

Na avaliação da deputada Fernanda Melchionna (PSOL-RS), o ministro interino da Saúde está "institucionalizando a tortura de mulheres que foram estupradas".

Damares disse que regras não mudariam

Ontem, durante a live semanal do presidente Jair Bolsonaro, a ministra Damares Alves, da pasta da Mulher, Família e Direitos Humanos, assegurou que não mudaria as regras para o aborto legal. O debate sobre o tema veio à tona nos últimos dias com o episódio da criança de 10 anos que foi violentada pelo próprio tio, no Espírito Santo e precisou fazer um aborto.

A portaria desta sexta-feira revoga trechos de outra, editada pelo Ministério da Saúde em 2005. Na portaria antiga, já constavam quatro etapas para que as vítimas de violência pudessem fazer o aborto legal.

Pelas regras anteriores, a mulher tinha que descrever a violência, com data, horário, local, descrição do agressor e outras circunstâncias, a dois profissionais de saúde. Depois disso, um parecer técnico atesta a compatibilidade entre a idade gestacional e a data da violência sexual relatada.

Em seguida, a equipe de saúde multidisciplinar precisa aprovar a realização do procedimento, atestando, entre outras questões, a ausência de "indicadores de falsa alegação de crime sexual".

Por fim, as mulheres (ou representantes legais, no caso de menores) assinam termos de responsabilidade e consentimento, com declaração de estarem cientes dos crimes cometidos caso tenham mentido sobre o estupro e dos riscos e desconfortos possíveis decorrentes do procedimento.

A nova portaria torna agora obrigatória a inclusão, nesse termo de consentimento, de uma lista extensa de riscos do aborto a cada idade gestacional, como lesões no útero, sangramento intenso, sepse e até morte da mulher. O documento aponta que os dados têm como base o  protocolo da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Fonte: Jéssica Moura e Adriana Mendes/O Globo