Não vai dar em nada, diz sobrinho um mês após morte de Genivaldo em câmara de gás

Não vai dar em nada, diz sobrinho um mês após morte de Genivaldo em câmara de gás
Homem é imobilizado durante abordagem policial em Umbaúba — Foto: Aplicativo/TV Sergipe

Após 30 dias da morte de Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos, em abordagem de policiais rodoviários federais em Umbaúba (SE), o sobrinho, Walisson de Jesus Santos, disse ao g1 que o sentimento é de impunidade.

“Um mês se passou e não temos resposta. Se fosse qualquer pessoa que tivesse dado um tapa em um policial seria preso, eles mataram o meu tio e estão soltos, juntos com a família, e nós estamos aqui tristes e sem nosso ente querido. A gente está vendo que não vai dar em nada, estamos na mão de Deus”, desabafou.

Wallison contou ainda que a família vive um clima de insegurança. “Quem confia na polícia agora? Todo mundo está com medo. Eles pediram trinta dias para investigar mais o quê? Eles querem mais provas de quê? Os policiais deviam ter perdido a farda e estar presos”, disse se referindo ao pedido da Polícia Federal de prorrogação do prazo para concluir inquérito sobre morte de Genivaldo dos Santos.

Depois do ocorrido, e do desenrolar dos fatos, o sobrinho da vítima informou ainda estar descrente com a Justiça. “Eu não acredito em Justiça nenhuma. Estou indignado, o que estão fazendo com a gente é humilhante, não significamos nada. Se a polícia não protege e a justiça não oprime, não há justiça. A gente vive com medo, vamos confiar em quem?

Missa

Um missa em celebração pelo mês da morte de Genivaldo Santos será realizada na noite deste sábado (25), no município de Umbaúba, às 19h.

PRF nega acesso a informações

Informações sobre as condutas profissionais dos policiais rodoviários federais envolvidos na abordagem que matou Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos, em Umbaúba (SE), não serão divulgadas pela Polícia Rodoviária Federal que negou um pedido sobre o assunto ao portal Metrópole, solicitado através da Lei de Acesso à Informação.

A PRF usou de trechos da própria lei e do Decreto nº 7.724/2012, que diz, entre outras coisas, que : ”As informações pessoais relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem detidas pelos órgãos e entidades: I - terão acesso restrito a agentes públicos legalmente autorizados e a pessoa a que se referirem, independentemente de classificação de sigilo, pelo prazo máximo de cem anos a contar da data de sua produção”.

Na resposta, a PRF cita Lei 12.527/2011(Lei de Acesso à Informação), no seguinte trecho, que classifica como conduta ilícita de responsabilidade do agente público ou militar: "divulgar ou permitir a divulgação ou acessar ou permitir acesso indevido à informação sigilosa ou informação pessoal”.

A resposta foi baseada também no Enunciado n. 14, de 31 de maio de 2016 da Controladoria-Geral da União, que cita o seguinte trecho: “os procedimentos disciplinares têm acesso restrito para terceiros até o julgamento”.

Em nota, o MPF/SE informou que o coordenador do Controle Externo da Atividade Policial em Sergipe, procurador da República Flávio Matias, abriu procedimento para investigar suposta classificação como “informação pessoal” imposta aos processos administrativos disciplinares já concluídos e que dizem respeito aos policiais envolvidos na abordagem que resultou na morte de Genivaldo de Jesus Santos. A investigação analisa se a medida pode estar sendo usada como obstáculo para fornecimento de informações de interesse público, contrariando a Lei de Acesso à Informação e a Constituição.

O MPF disse ainda que a Controladoria Geral da União, em manual sobre a aplicação da lei, esclarece que “não é toda e qualquer informação pessoal que está sob proteção. As informações pessoais que devem ser protegidas são aquelas que se referem à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem”.

Morte Genivaldo

Genivaldo morreu depois de ter sido trancado no porta-malas de uma viatura da PRF e submetido a inalação de gás lacrimogêneo. A certidão de óbito concedida pelo IML à família no dia seguinte à morte apontou asfixia e insuficiência respiratória.

Kleber Nascimento Freitas, Paulo Rodolpho Lima Nascimento e William de Barros Noia foram citados pelo Fantástico, como sendo os responsáveis pela ação que resultou na morte do sergipano.

Os agentes envolvidos diretamente na abordagem foram afastados das funções pela PRF, que afirmou que não compactua com as medidas adotadas pelos policiais durante a abordagem.

Os policiais já haviam admitido que usaram spray de pimenta e gás lacrimogêneo dentro da viatura. Os três agentes já prestaram depoimento à Polícia Federal, além de outros dois agentes que assinaram o boletim de ocorrência, mas não participaram da ação.

Pedido de prisão negado

A Justiça Federal em Sergipe negou o pedido de prisão dos três policiais rodoviários federais envolvidos na abordagem que resultou na morte de Genivaldo Santos, de 38 anos, na BR-101 no município de Umbaúba. O pedido foi feito pela defesa da família da vítima, que ainda não se manifestou sobre a decisão.

Veja a cronologia do caso:

  • Por volta das 11h do dia 25 de maio, Genivaldo foi abordado por três policiais rodoviários no km 180 da BR-101, em Umbaúba; segundo depoimento registrado no boletim de ocorrência (BO), os agentes o pararam por não usar capacete enquanto dirigia uma motocicleta;
  • Imagens feitas por populares mostram quando os agentes pedem que ele coloque as mãos na cabeça e abra as pernas para a revista;
  • O sobrinho da vítima, Wallison de Jesus, diz que avisou aos policiais que o tio tinha transtornos mentais. Ainda de acordo com ele, os agentes encontraram uma cartela de um medicamento controlado no bolso do tio, que fazia tratamento para esquizofrenia há cerca de 20 anos. Também segundo a família, Genivaldo era aposentado em virtude dessa condição.
  • Wallison relata que o tio ficou nervoso e perguntou o que tinha feito para ser abordado. No BO os policiais dizem que ele ficava passando a mão pela cintura e pelos bolsos e não obedecia às suas ordens e que, por isso, precisaram contê-lo. Segundo os agentes, os primeiros recursos foram spray de pimenta e gás lacrimogêneo.
  • Um vídeo mostra quando um dos agentes tenta imobilizar Genivaldo com as pernas no pescoço. No chão, ele é algemado e tem os pés amarrados.
  • Em seguida, Genivaldo é colocado no porta-malas do carro da PRF, que está com os vidros fechados. Os policiais jogam gás e fecham o compartimento. Genivaldo se debate, com os pés para fora do porta-malas, enquanto os policiais pressionam a porta.
  • No boletim de ocorrência, os policiais dizem que o homem teve um "mal súbito" no trajeto para a delegacia e foi levado para o Hospital José Nailson Moura, no município, onde morreu por volta das 13h.
  • O corpo foi recolhido pelo Instituto Médico Legal de Sergipe e chegou a Aracaju às 16h58. Um laudo do órgão aponta que Genivaldo morreu por asfixia mecânica e insuficiência respiratória aguda.
  • Por volta das 18h, a Polícia Rodoviária Federal se pronunciou, informando ter aberto um procedimento para apurar o caso, que também é investigado pelas polícias Civil e Federal. O Ministério Público Federal em Sergipe também acompanha as investigações.
  • O corpo de Genivaldo foi sepultado em Umbaúba por volta das 11h do dia seguinte, 26 de maio. Ele deixou esposa e um filho e oito anos.
  • No fim da tarde, a PRF informou sobre o afastamento dos agentes envolvidos.

Atuação policial

Uma portaria de 2010, que regulamenta uso de força policial, e uma lei de 2014, que disciplina o uso de instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança pública, não foram respeitadas por agentes de Sergipe durante abordagem que terminou na morte de Genivaldo de Jesus Santos, de 38 anos, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

De acordo com a portaria interministerial nº 4.226, de 2010, o uso da força pelos agentes de segurança pública deverá se pautar nos documentos internacionais de proteção aos direitos humanos e deverá obedecer aos princípios da legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência.

O documento determina ainda os procedimentos de habilitação para o uso de cada tipo de arma de fogo ou instrumento de menor potencial ofensivo, o que inclui avaliação técnica, psicológica, física e treinamento específico, com revisão periódica. Nenhum profissional de segurança deverá portar instrumento de menor potencial ofensivo para o qual não esteja devidamente habilitado.

Além disso, o texto afirma que os critérios de recrutamento e seleção para os agentes de segurança pública deverão levar em consideração o perfil psicológico necessário para lidar com situações de estresse e uso da força e arma de fogo.

Segundo a nota técnica divulgada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, "a morte de Genivaldo Jesus Santos chocou a sociedade brasileira pelo nível de sua brutalidade, expondo o despreparo da instituição em garantir que seus agentes obedeçam a procedimentos básicos de abordagem que orientam os trabalhos das forças de segurança no Brasil".

Já a lei 13.060, que disciplina o uso de instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança pública em todo o país, determina, no artigo 3º, que “cursos de formação e capacitação dos agentes de segurança pública deverão incluir conteúdo programático que os habilite ao uso dos instrumentos não letais”.

Fonte:  Isabelle Marques, G1 SE