Multas mostram que desembargador que humilhou GCM se recusou a assinar os documentos

Multas mostram que desembargador que humilhou GCM se recusou a assinar os documentos
G1 obteve multas aplicadas para desembargador que humilhou GCM em Santos, SP — Foto: G1 Santos

Imagens obtidas pelo G1 nesta segunda-feira (20) mostram as multas aplicadas ao desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo Eduardo Siqueira, após ele se negar a fazer o uso de máscara na praia de Santos, no litoral paulista, e ser flagrado humilhando o Guarda Civil Municipal (GCM), que o abordou para orientar sobre a obrigatoriedade do acessório. Ele chegou a rasgar a primeira multa e jogar no chão, depois de ameaçar jogar o papel 'na cara' do GCM.

Segundo apurado pelo G1, a primeira multa foi aplicada por conta da insistência em não utilizar a máscara. No documento, é possível ver que o desembargador, antes de jogar o papel fora, recusou-se a assinar o auto de infração. Em seguida, por ter desacatado a autoridade e se livrado do papel, ele foi autuado pela segunda vez em menos de cinco minutos, também sem assinar o novo documento.

O desembargador Eduardo Almeida Prado Rocha de Siqueira também é ex-coordenador da Secretaria da Área de Saúde (SAS) do TJ-SP. A Prefeitura de Santos informou que, além da multa por não utilizar máscara, Siqueira também foi multado em R$ 150 por jogar lixo no chão - ao rasgar e jogar a primeira multa na faixa de areia - de acordo Lei Cidade sem Lixo, que proíbe o lançamento de resíduos de qualquer natureza nas praias, além de passeios, jardins, logradouros, canais e terrenos.

O G1 conversou com especialistas jurídicos para entender o que a postura de Siqueira pode acarretar a ele. O advogado Rodrigo de Farias Julião, presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Santos, explica que, de acordo com a legislação, o magistrado não deverá perder o cargo. "Há um preciosismo legislativo, onde afirma que a pena de demissão deve estar vinculada ao exercício da profissão, o que não é o caso, uma vez que o desembargador estava em momento de lazer", diz.

De acordo com ele, o ocorrido traz uma reflexão para uma possível mudança legislativa, já que o funcionário público deveria ter a obrigação de dar exemplo a sociedade, de ética, urbanidade, e principalmente, sobre o cumprimento das leis e respeito aos todos demais poderes, mesmo em sua vida privada, independentemente do exercício de sua função pública.

Julião explicou que as providências já estão sendo tomadas pela Corregedoria Nacional de Justiça. Isso porque, o ministro Humberto Martins, determinou a abertura de pedido de providências para apurar a conduta do desembargador.

Para o ministro, o vídeo divulgado demonstra indícios de possível violação aos preceitos da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) e ao Código de Ética da Magistratura, o que impõem a necessidade de averiguação pela Corregedoria Nacional de Justiça. O desembargador deve ser intimado e terá um prazo de 15 dias para prestar informações a respeito dos acontecimentos expostos.

Julião afirma que a OAB Subseção de Santos lamenta o ocorrido com os GCMs. "Lamentamos o triste episódio em questão, veiculado em rede nacional, e fortalece o trabalho e empenho de todos os servidores públicos e magistrados vinculados no TJSP, no exercício de suas funções, lamentando tal fato denegrir o trabalho e sobriedade de todos", destaca Julião.

O advogado criminalista Eugênio Malavasi explica o que a ação pode acarretar no âmbito criminal. "Na minha concepção, a conduta do desembargador, em matéria penal, além do crime de desacato, pode configurar, em tese, o crime do artigo 268 do Código Penal, cuja norma está assim descrita: 'infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa'”.

Desembargador

Em nota, o desembargador Eduardo Siqueira diz que o vídeo é verdadeiro, mas alega que foi tirado de contexto. Para ele, a determinação por decreto do uso de máscaras em determinados locais é um abuso.

No texto divulgado, Siqueira explica que “decreto não é lei” e que, por isso, entende não ser obrigado a usar máscara, e que qualquer norma que diga o contrário é “absolutamente inconstitucional”. Ele alega que esse não foi o primeiro incidente que aconteceu entre ele e agentes da Guarda Civil Municipal, e que em todas as ocasiões foi ameaçado de prisão de modo agressivo, justificando a exaltação.

“Infelizmente, perseguido desde então, ontem, acabei sendo vítima de uma verdadeira armação”, completa. Ele diz que tomará as providências cabíveis para que os direitos dele sejam preservados e que está à disposição das autoridades judiciais, para esclarecimentos.

Entenda o caso

Imagens obtidas pelo G1 neste domingo (19), mostraram o desembargador humilhando um GCM ao ser multado por não utilizar máscara enquanto caminhava na praia. Ele chamou o guarda de 'analfabeto', rasgando a multa e jogando o papel no chão e, por fim, dando uma 'carteirada' ao telefonar para o Secretário de Segurança Pública do município, Sérgio Del Bel. Segundo a Prefeitura de Santos, o caso ocorreu na tarde de sábado (18).

Essa não foi a primeira vez que Eduardo Siqueira agiu dessa forma. Um outro vídeo obtido pela reportagem, mostrou que, em maio, ele já havia desrespeitado e ameaçado um inspetor da GCM, ao ser flagrado também descumprindo o decreto municipal que obriga o uso de máscaras na cidade.

A Prefeitura de Santos afirmou estar prestando total apoio à equipe que fez a abordagem e ressaltou que a multa foi lavrada. A Associação dos Guardas Civis Municipais, por meio do diretor Rodrigo Coutinho, afirmou repudiar o ocorrido e que tomará as medidas judiciais cabíveis.

O GCM que foi humilhado pelo desembargador diz que cumpriu seu papel e, apesar de chateado, ficou orgulhoso por realizar sua função. Tanto ele, quanto o colega de trabalho, se mostraram indignados com o ocorrido.

Fonte: Isabella Lima, G1 Santos