Mulheres pobres têm que trabalhar 4 anos para custear absorventes ao longo da vida
Nesta quinta-feira (dia 7), o presidente Jair Bolsonaro vetou a distribuição gratuita de absorventes íntimos. O projeto, aprovado em setembro pelo Congresso Nacional, previa que o item seria entregue a estudantes de baixa renda de escolas públicas, pessoas em situação de rua ou vulnerabilidade social e detentas. O presidente argumentou que não há dinheiro para custear o produto, e que a iniciativa não atendia ao princípio de universalidade do Sistema Único de Saúde (SUS). Especialistas em saúde e advogados discordam das justificativas. Em um cenário crescente de pobreza, não ter acesso ao produto básico de higiene, além de ferir a dignidade humana, pode gerar prejuízos econômicos a longo prazo para o país.
Segundo o relatório Livre para Menstruar, do movimento Girl Up Brasil, cerca de 60 milhões de pessoas menstruam todos os meses no Brasil. Estima-se que uma mulher gaste entre R$ 3 mil e R$ 8 mil ao longo de sua vida para comprar absorventes. Assim, ao considerar que a renda anual dos 5% mais pobres é de R$ 1.920, com base em dados da Pnad Contínua do IBGE 2020, esse grupo mais vulnerável precisa trabalhar até quatro anos só para pagar tampões.
A diretora executiva do Girl Up, Letícia Bahia, diz que a insuficiência de absorventes leva meninas a faltarem cerca de uma semana de aula todos os meses. O impacto na educação também tem reflexos na renda das futuras mulheres — o que pode, inclusive, fazer com que a riqueza do país não alcance seu potencial.
— Enquanto o governo gasta bilhões com emendas parlamentares, diz que não tem dinheiro para custear absorventes — critica.
Letícia também considera equivocado o argumento de que a distribuição de absorventes não obedece ao princípio de universalidade do SUS. Enquanto o governo defende que se trata de uma política pública destinada a um grupo específico — e que por isso não deveria existir —, a diretora do Girl Up faz um paralelo com distribuição de preventivos.
— A política de distribuição de camisinhas teve resultados maravilhosos no enfrentamento do HIV, e não é por ser destinado a um grupo específico que deveria deixar de existir. É o mesmo caso de um exame de próstata ou de um pré-natal. Toda política pública tem que ter um público-alvo.
A presidente da OAB Mulher de Campos/RJ, Kelly Viter, tem um projeto de distribuição de absorventes para mulheres periféricas, encarceradas e em situação de rua, por meio do qual já foram doadas mais de 30 mil unidades. Ela conta que o número de mulheres sem condições de comprar tampões aumentou muito na pandemia. Como muitas trabalhadoras ficaram desempregadas, hoje usam os recursos que restam para adquirir alimentos.
— A pobreza menstrual é uma questão de saúde pública. Ao não distribuir absorventes, há um custo muito maior para o SUS, porque essas mulheres usam produtos inadequados, têm infecções e podem até perder o útero — observa Kelly: — A mulher já tem um salário menor do que o homem. Ela ainda gasta parte dele com uma despesa por necessidade biológica, algo que independe da sua vontade.
A ginecologista da Clínica Vanité, Gisele Ribeiro de Castro, conta que mulheres que não têm dinheiro costumam recorrer a jornais, pedaços de pano, sacos plásticos e até mesmo folhas e miolo de pão para, de forma improvisada, conter a menstruação. Por ser uma região sensível do corpo feminino, o uso de materiais inadequados pode causar desde odores até mesmo a sepse (infecção generalizada capaz de matar).
— Dados da ONU apontam que, no mundo, uma em cada dez meninas falta às aulas durante o período menstrual. No Brasil, essa proporção é ainda maior. Uma entre quatro estudantes já deixou de ir à escola por não ter absorventes. A evasão escolar é de 45 dias de meninas que não têm condições de comprar absorventes. Isso acaba prejudicando o ensino delas — completa.
Para a pesquisadora em saúde da UFRJ Chrystina Barros, não ter absorventes disponíveis é um limitador de vida:
— Prejudica a saúde física, mental e a dignidade das mulheres.
Sem alternativas
A falta de absorventes para uso não é exceção no sistema prisional brasileiro. É regra. O ouvidor-geral da Defensoria Pública do Rio, Guilherme Pimentel, conta que a ausência de absorventes é uma das queixas mais comuns recebidas de famílias das encarceradas. Mesmo quando os parentes levam, por questões burocráticas, muitas vezes não conseguem fazer a entrega do item. A alternativa encontrada por algumas é usar miolo de pão na calcinha.
— É um problema sistêmico. Na Defensoria, temos feito o dever de casa e lutado para mudar essa questão — diz Pimentel.
A Defensoria tem uma campanha na qual arrecada pacotes de absorventes para pessoas em situação de vulnerabilidade. As informações de como doar estão disponíveis no Instagram @ouvidoria.defensoria.rj.
Um quarto do preço em tributos
Em média, 25% do valor cobrado por um absorvente é imposto. A advogada tributarista Juliana Cardoso, sócia do escritório Abe Giovanini Advogados, explica que incidem sobre o item PIS/Cofins e Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) — que varia de estado para estado.
Nos locais onde o item não é considerado um cosmético, a incidência de imposto é maior. Em São Paulo, por exemplo, o ICMS cobrado é de 18%, percentual que se soma aos 9,25% de PIS/Cofins.
No Rio de Janeiro, absorventes foram incluídos na cesta básica, dada a sua essencialidade. Dessa forma, o ICMS foi reduzido para 7% que, somados ao PIS/Cofins, resultam em 16,25%.
— Por ser um imposto sobre o consumo, acaba prejudicando mais a camada mais pobre da população, com menor renda disponível. É injusto. O ideal é que fosse considerado em todas as regiões como um item essencial e desonerado — opina Juliana.
Fonte: Extra/Globo.com