Folia virtual: Câmara, escolas e blocos propõem eventos on-line no lugar de desfiles

Folia virtual: Câmara, escolas e blocos propõem eventos on-line no lugar de desfiles
Sambódromo, do jeito que vai estar em fevereiro de 2021: vazio Foto: Brenno Carvalho em 8-3-2019 / Agência O Globo

RIO — Nem os mais surpreendentes desfiles da Sapucaí foram tão longe no quesito inovação. Em uma audiência pública virtual promovida nesta sexta-feira pela Câmara dos Vereadores do Rio, foi proposto que escolas de samba e blocos façam uma espécie de carnaval on-line, para garantir subsídios a todos que tiram da festa o seu sustento. A ideia é transmitir, para foliões que estarão no sofá, lives e eventos como apresentações de mestre-sala e porta-bandeira, concursos de marchinhas ou disputas entre baterias. Ou seja, o reinado de Momo em 2021 promete ser diferente de tudo que já se viu.

A proposta faz parte do chamado Plano Emergencial para o Carnaval 2021, elaborado pela Comissão Especial do Carnaval da Câmara em conjunto com representantes de escolas de samba e blocos. Desfiles, só quando houver vacina para a Covid-19. Mas o documento prevê atividades e políticas de auxílio a agremiações por meio de um caderno de encargos, que permitiria uma captação de recursos junto à iniciativa privada.

Também está previsto um subsídio a partir de R$ 100 mil para cada escola (dos grupos Especial e de acesso) e bloco de grande porte que ingressar no projeto. Pelo plano, os critérios para os pagamentos ficarão a cargo da prefeitura. A contrapartida seria as apresentações on-line, em fevereiro. O gasto inicial estimado é de R$ 13 milhões.

— A ideia é que a prefeitura faça o que fez em relação ao réveillon, ou seja, crie um caderno de encargos para captação de recursos que garantam as atividades ligadas ao carnaval. O dinheiro garantirá a manutenção das quadras das escolas de samba e dos trabalhadores do setor — disse o vereador Tarcísio Mota, (PSOL) presidente da comissão.

“O carnaval reflete a situação de cada momento. Ter uma proposta que dialoga com essas dificuldades impostas pela pandemia é natural”

Para os blocos menores, a ideia é lançar um edital de fomento por meio de premiações. Nesse caso, seriam destinados R$ 25 mil a cada projeto. Para os trabalhadores do carnaval que perderam renda, foi previsto um auxílio emergencial no valor correspondente a um salário mínimo, tendo como contrapartida o compromisso de participarem de cursos on-line de aprimoramento. Poderiam recebê-lo marceneiros, costureiras e aderecistas, entre outros profissionais que comprovem, de forma simplificada (apresentação de crachá ou portfólio, por exemplo), ter desempenhado atividades em barracões.

Elogios e lamentos

Para Felipe Ferreira, professor do Instituto de Artes da Uerj e jurado do prêmio Estandarte de Ouro, do GLOBO e Extra, a proposta vai ao encontro da capacidade do carnaval de se adaptar à realidade em que se insere:

— O carnaval faz parte da contemporaneidade da sociedade. Ele reflete a situação de cada momento. Ter a proposta de um carnaval que dialoga de alguma maneira com essas dificuldades impostas pela pandemia é natural.

Rita Fernandes, presidente da Liga Sebastiana de Carnaval de Rua, também elogiou a proposta, que, segundo ela, é a melhor forma de ajudar as pessoas que vivem da folia, além de garantir a realização de um carnaval seguro, embora simbólico.

—É uma ação concreta. É disso que a gente estava precisando, e não de blá-blá-blá. É dessa forma que vamos conseguir avançar, apesar da pandemia. Falo de decisões com base em análises técnicas, desvinculadas da política. A ideia é ter um carnaval simbólico, com segurança — defendeu Rita.

Presidente da Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa), Jorge Castanheira participou das reuniões e audiências convocadas pela Comissão Especial do Carnaval da Câmara e aprovou o plano, porém não acredita que o município irá tirá-lo do papel este ano, apesar da urgência do tema. A proposta será entregue ao prefeito Marcelo Crivella e aos candidatos ao cargo.

— As pessoas estão passando dificuldades nas comunidades, onde ficam quase todas as escolas. Mas há o calendário eleitoral, e várias delas, por conta da situação de asfixia à qual foram submetidas nos últimos quatro anos, tomaram a decisão de apoiar o candidato A, B ou C— desabafou Castanheira durante a audiência de ontem.

“Pela primeira vez fazem algo pensando nas escolas. Acho difícil o plano ser posto em prática, mas é uma iniciativa importante. Vamos aguardar para ver”

Vice-presidente de projetos especiais da Mangueira, Moacyr Barreto também esteve na audiência e fez coro:

— Pela primeira vez estão fazendo algo pensando nas escolas. Embora as agremiações sejam grandes empregadoras e tenham instalações para manter, foram eleitas vilãs e não receberam qualquer apoio. Nessa gestão (da prefeitura), acho difícil o plano ser posto em prática, mas, ainda assim, é uma iniciativa importante. Vamos aguardar para ver o que pode acontecer.

Dirigente da Beija-Flor, Gabriel David disse que apoia projetos voltados ao carnaval no universo digital:

— O desfile de carnaval depende do público, pois é uma troca, e não é possível essa troca sem pessoas por perto. Mas a Liesa tem conhecimento dos tipos de projetos que podem ser realizados de forma on-line. Não substituem os desfiles; ajudam as escolas neste momento difícil.

Em nota, a Riotur lembrou que a decisão de não haver desfiles sem vacina é uma unanimidade entre todos os atores do carnaval. A empresa municipal de turismo afirmou estar aberta à proposta e aguarda sua formalização para analisá-la e submetê-la ao prefeito Marcelo Crivella e ao comitê científico que o assessora.

Fonte: Geraldo Ribeiro/O Globo