Escola municipal de SP cria campanha virtual pedindo doação de celulares usados para ajudar alunos no ensino à distância
"Tem algum problema eu não fazer a lição? Porque na minha casa não tem internet, aí eu tenho que ficar vindo para a casa da minha vó fazer. Estou conseguindo fazer dos livros, e consigo fazer a lição quando estou na casa da minha avó. Mas não dá para a minha mãe ficar me trazendo todo o dia."
O relato em forma de pergunta foi recebido na semana passada por uma das 70 professoras da Escola Municipal Professor Clemente Pastore, no Jardim Nakamura, na Zona Sul de São Paulo.
No áudio de WhatsApp, a aluna do 5° ano narra, chorando, a dificuldade em acompanhar o conteúdo proposto pelo ensino à distância na rede pública de São Paulo.
A falta de acesso reflete a espiral de um problema crônico no país, agudizado pela pandemia de coronavírus que fechou as portas das escolas e levou o ensino para dentro de casa e das telas.
Com mais de 70% dos alunos fora das plataformas virtuais, a direção da escola lançou, neste domingo (26), a campanha virtual "Doe Um Celular Para Educar".
O objetivo, segundo José Eduardo de Abreu, coordenador pedagógico, é arrecadar celulares, computadores ou tablets antigos, usados, mas em bom estado, e tentar ampliar presença nas salas de aula virtuais.
A escola tem 1400 alunos entre o ensino fundamental e estudantes do EJA - Educação de Jovens Adultos.
"Tem muitos alunos que a família tem um aparelho só para todos os filhos. Chegamos a receber atividade de madrugada, ou alguns só conseguem fazer atividade aos finais de semana, quando pegam aparelho dos tios, avós", afirma Abreu.
Ele relata que a ideia da campanha partiu de uma professora do 4° que, em contato frequente com as famílias, também recebe relatos diários dos problemas enfrentados pelos estudantes.
Ainda de acordo com Abreu, os professores estão fazendo um levantamento e indicarão à direção para quem as doações deverão ser destinadas. Os responsáveis deverão assinar um termo de compromisso garantindo que a criança irá usar o aparelho para o acompanhamento das aulas.
Até esta segunda-feira (27), a escola havia recebido quatro equipamentos.
Nos perfis criados para a campanha nas redes sociais, há um link que direciona o interessado para um formulário. O doador deve preencher os dados para que a escola possa combinar a melhor forma de entrega dos equipamentos.
"Um professor está acompanhando as doações pelo formulário. A escola vai entrar em contato para combinar a entrega dos aparelhos. Pode mandar por Sedex, marcar ponto de encontro, ver com a pessoa a melhor maneira. E vamos aguardar o resultado da campanha para organizar a forma de entrega aos alunos", afirma Abreu.
Na página da campanha no Instagram, há vídeos curtos com depoimento de professores, da diretora da escola e conteúdos explicativos da proposta. Há, inclusive, o áudio da aluna citado no início desta reportagem.
Em um dos posts, a diretora da escola se apresenta e afirma que os professores estão fazendo de tudo para adaptar as aulas para o ensino à distância. Mas os alunos não conseguem acessar os conteúdos por falta de equipamento.
Além dos equipamentos, a direção da escola espera que a secretaria municipal de Educação consiga fechar parcerias com empresas de tecnologia para viabilizar o acesso à internet às famílias.
"Muitos alunos até tem um aparelho, mas não tem plano de dados. O secretário de educação informou em uma das reuniões que teve com as escolas, que a secretária está em contato com as empresas de telefona para tentar parceria e conseguir um chip para os alunos. A gente espera que isso aconteça", disse Abreu.
No final de junho, o governo de São Paulo anunciou a reabertura das escolas de forma gradual a partir do dia 8 de setembro. Entretanto, a medida só deverá ocorrer se o estado todo estiver na fase amarela do plano de flexibilização econômica.
O retorno prevê três etapas de retomadas das aulas: a 1ª será com 35% dos alunos, a 2ª com 70% e a 3ª e última com 100% dos alunos. Apesar da perspectiva de reabertura, os estudantes deverão continuar assistindo às aulas on-line.
"Mesmo que volte [na data prevista], ainda vamos ter problema de falta de aparelhos", afirmou o coordenador pedagógico.
Fonte: Lívia Machado, G1 SP — São Paulo