Entenda como superdosagem de remédios em hospital pode ter matado jovem de 21 anos durante crise de ansiedade
O caso da estudante Vitória Cristina Queiroz dos Santos, de 21 anos, que morreu após superdosagem de medicamentos durante uma crise de ansiedade, acabou se tornando uma investigação da Polícia Civil. Por isso, o g1 ouviu Daniel Jesus, diretor-secretário do Conselho Regional de Farmácia de Goiás (CRF-GO), para explicar quais os riscos da superdosagem de remédios no caso da paciente.
“A superdosagem pode levar à morte porque esses remédios paralisam os músculos respiratórios. Faz parte do mecanismo natural dos medicamentos. São paralisantes da musculatura respiratória”, explicou.
No caso de Vitória, Daniel Jesus explicou que os remédios usados são “depressores do sistema nervoso central e respiratório”. O termo “depressão respiratória” é usado para descrever uma diminuição da frequência da respiração.
“Em tese, a interação medicamentosa entre eles potencializa um efeito colateral grave que é a depressão respiratória, que é até esperada. Provavelmente, a morte se deu porque não conseguiu reverter essa depressão respiratória”, explicou.
“Os riscos maiores são a paralisia do trato respiratório, ou seja, você sedaria tanto o paciente, que ele não conseguiria respirar espontaneamente. Em paralelo a isso, pode ocorrer, dependendo do nível de parada respiratória, a parada cardiorrespiratória”, também ponderou.
De acordo com Daniel, para reverter a depressão respiratória, são comuns os usos de procedimentos como a entubação. O especialista ponderou que os medicamentos usados são seguros e inicialmente tem o efeito de sedar o paciente para depois abordar uma terapia de longo prazo.
“Normalmente não deixam sequela, o risco maior foi o que aconteceu, que foi a repressão respiratória. No caso, pode ter acontecido uma dificuldade no suporte avançado da vida, ou seja a reversão dos efeitos desses medicamentos, e possivelmente uma overdose”, disse.
Detalhes do uso
Conforme mostram as receitas feitas pelo médico, estão entre o uso da paciente os seguintes medicamentos: fentanil, morfina e midazolam. De acordo com Daniel, a junção destes medicamentos oferece uma série de riscos e o pior é a associação dos opióides morfina e fentanil.
“O risco de depressão respiratória aumenta demais com essas drogas, o que é muito potencializado pelo midazolam, também usado duas vezes na paciente. Ambas classes de medicamentos têm antagonistas farmacológicos”, explicou.
Daniel explicou que os remédios usados em Vitória possuem várias indicações, inclusive para crises de ansiedade. No entanto, são indicados primordialmente como analgésicos potentes (morfina e fentanil) e sedação (midazolam).
“Associaram também o haloperidol, usado no antipsicótico, também usado em crises psicóticas, até mesmo em crises agudas de transtornos de ansiedade como foi provavelmente o caso, que sugere-se pânico”, pontuou.
O uso dos remédios
O diretor explicou que todo medicamento usado acima da dose recomendada, tem uma toxicidade maior. Os remédios usados em Vitória eram opioides-sedativos e antipsicóticos, conforme descrito nas receitas.
“Opióides são drogas originadas lá da papoula, só que o fentanil é um opióide sintético, é mais potente, mas é o mesmo mecanismo de ação da morfina. O médico deu dois medicamentos com o mesmo mecanismo e isso a gente chama de potencialização do efeito, o que pode ter piorado a depressão respiratória, consequentemente o risco de morte”, pontuou Daniel.
Sobre os opióides usados, Daniel explicou: “Os opióides produzem analgesia, mas também causam sedação. Em urgência , costuma-se usar analgesia com opióides como adjuvante a um sedativo quando é necessária analgesia, o que aumenta o risco de depressão respiratória”.
Já sobre o Fentanil, o diretor destacou: “Fentanil costuma ser utilizado com midazolam; um agente de reversão (naloxona e flumazenil) está disponível para cada agente. Opta-se por uma opióide de ação mais longa, como a morfina, caso se antecipe que a dor do paciente provavelmente continuará depois do procedimento”.
Daniel ponderou que não vê os remédios usados como inseguros. De acordo com o profissional, são usados em rotina de urgências e emergências.
“Não vejo drogas inseguras, talvez vejo procedimentos que não foram adequados nesse sentido. Vai caber à investigação.Existe o risco de depressão respiratória, mas existem os antídotos”, falou.
O diretor reforçou que, para definir o que causou a morte, é preciso uma análise médica mais profunda de dose e da compatibilidade da paciente com os remédios.
“Talvez o problema foi a dose, no encaminhamento fizeram midazolam e fentanil. Chegou na unidade, fizeram midazolam, fentanil e mais um antipsicótico. Essa quantidade associada a um suporte de vida que talvez não foi adequado, pode ter culminado na intercorrência que culminou na morte”, finalizou.
Caso Vitória
A secretária Laydiane Gonçalves, o médico e diretor clínico do hospital, Murilo Dell Eugênio e a coordenadora das enfermagem Eliane Aparecida dos Santos, ambos do Hospital Municipal de Silvânia foram afastados. Segundo a família, a estudante de administração foi até a unidade com crise de ansiedade, o médico passou remédios contra indicados ao quadro clínico e ela acabou morrendo dias depois (entenda melhor abaixo).
“Eram medicamentos com a finalidade de entubação. Normalmente utilizam para entubação 1 a 1.2 microgramas de um dos remédios, por peso. Ela teria que tomar 50 microgramas, mas foram aplicadas 4 ampolas de 10 miligramas, 2 mil microgramas”, explicou o advogado Jales Gregório.
Os profissionais foram afastados na última quarta-feira (9), após a Polícia Civil deflagrar a “Operação Paracelso”. De acordo com o delegado Leonardo Sanches, a investigação começou após a denúncia da família e indicou que os profissionais falsificaram documentos para omitir a dosagem, o nome dos remédios e até os procedimentos feitos.
“Consta no inquérito que houve uma tentativa de suprimir documentos e a secretária tentou coagir servidores. O médico preencheu o prontuário falso sobre o que administrou na paciente. A coordenadora produziu documentos omitindo a quantidade, procedimentos e remédios administrados pelas enfermeiras”, explicou.
Em nota, a Prefeitura de Silvânia informou que no dia 31 de julho foi iniciado um Processo Administrativo (PAD), para apurar a conduta dos profissionais durante o atendimento e que os envolvidos no caso foram afastados da unidade (leia nota completa no fim da reportagem).
A reportagem também não localizou a defesa da secretária Laydiane Gonçalves, do médico e da enfermeira.
Após a superdosagem, a jovem foi encaminhada à uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e ao Hospital Municipal de Aparecida de Goiânia (Hmap), onde foi confirmada a morte cerebral, segundo o advogado. Jales explicou também que a causa preliminar indicada para a morte foi uma parada cardiorrespiratória.
“Esses remédios rebaixam o sistema respiratório. Coincidentemente a causa da morte foi essa parada cardiorespiratória, que causou a morte encefálica”, completou.
Em nota, o Conselho Regional de Enfermagem informou que, "após tomar conhecimento do fato, abriu por meio de denúncia de ofício, um Procedimento Ético Disciplinar (PED), por meio de denúncia de ofício para apurar a atuação da possível profissional no caso".
Detalhes do caso
Vitória deu entrada no Hospital de Silvânia no dia 3 de julho, por volta de 17h e, segundo o advogado, estava consciente e conversando. Na unidade, o médico receitou os remédios fentanila e midazolam. A mãe, que é farmacêutica, teve acesso às receitas médicas e buscou os prontuários da filha.
“Coincidentemente, os prontuários sumiram, foram suprimidos numa tentativa escancarada de esconder o erro cometido pelo médico”, disse o advogado.
Jales explicou que a estudante não tinha problemas de saúde. Segundo o advogado, o médico psiquiatra que fazia o acompanhamento de Vitória disse que nunca ouviu falar do uso dos remédios prescritos em Silvânia para o quadro clínico da jovem.
“Depois de fazerem as medicações, outro médico olhou a pupila e disse para a mãe que não tava reagente, que significa morte cerebral”, falou.
Depois disso, também no dia 3, por volta de 23h, a jovem foi encaminhada à UPA e, no caminho, mais doses de fentanila e midazolam foram aplicadas, conforme detalhou o advogado. Segundo o delegado, foi constatado um “dano cerebral muito grande” na unidade.No dia 5 do mesmo mês, Vitória foi encaminhada ao Hmap. O óbito foi declarado no dia 9, quando foram feitos os exames para morte encefálica. Ao g1, o advogado pontuou que a família aguarda o laudo toxicológico da morte de Vitória.
Em nota, a Secretaria de Saúde de Aparecida informou que "é município polo da região Centro-Sul e que, seguindo fluxo da Regulação, pode receber pacientes de Silvania". No entanto, por causa da Lei Geral de Proteção de Dados "não é autorizada a divulgação de informações de prontuário médico de qualquer paciente sem sua anuência ou de seus familiares".
A secretaria disse também que, "no âmbito policial e do Judiciário, as informações médicas são repassadas mediante solicitação das autoridades competentes".
Nota Prefeitura de Silvânia
A “Operação Paracelso”, deflagrada na manhã da última quarta-feira (09) refere-se a uma investigação da Polícia Civil sobre um suposto erro médico durante o atendimento de uma paciente que deu entrada na Emergência do Hospital Nosso Senhor do Bonfim, unidade que integra a Rede Pública de Saúde do Município, e que após transferência para uma unidade de saúde no município de Aparecida de Goiânia, veio a óbito.
No dia 31 de julho foi iniciado um Processo Administrativo (PAD), a fim de apurar a conduta de profissionais durante o atendimento, após questionamentos realizados pela família da paciente. Os envolvidos no caso estão afastados da unidade hospitalar.
O Governo de Silvânia segue acompanhando e colaborando com as investigações, buscando o esclarecimento do caso e atendendo solicitações das autoridades policiais.
Fonte: Michel Gomes, g1 Goiás