Morreu também um pedaço de mim, diz mãe de bebê que faleceu por intoxicação com remédios em hospital do DF

Morreu também um pedaço de mim, diz mãe de bebê que faleceu por intoxicação com remédios em hospital do DF
Fachada do Hospital Regional de Planaltina, no DF — Foto: TV Globo/Reprodução

Passados nove anos da morte da filha Gabrielly Tauane Rabelo Sousa, Tatiana Rabelo decidiu romper o silêncio. A bebê tinha nove meses, quando deu entrada no Hospital Regional de Planaltina, no Distrito Federal, em 28 de maio de 2012, com indícios de pneumonia.

Três dias depois, morreu após uma intoxicação por superdosagem de um antibiótico prescrito por uma médica. No mesmo dia, um outro bebê, Paulo Henrique Siqueira dos Santos, de 5 meses, faleceu na unidade pelo mesmo motivo. Segundo laudos, os dois receberam quantias de 12 a 15 vezes maior do remédio que o indicado para crianças.

"Foi questão de 10 minutos de um bebê para o outro. Minha filha começou a passar mal nos meus braços. Até hoje eu lembro de tudo o que ocorreu naquele dia. Quando ela morreu, morreu também um pedaço de mim", disse Tatiana ao g1.

O Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT) condenou, em primeira instância, o governo do Distrito Federal a pagar indenização de R$ 60 mil, por danos morais, além de pensão para a mãe. A decisão é de dezembro, mas foi divulgada na terça-feira (11). A Procuradoria-Geral do DF informou que vai recorrer.

A médica que prescreveu o remédio, Glaydes José Leite, foi condenada, em 2015, a pagar R$ 135 mil às duas famílias pelas mortes dos bebês. Mas recorreu e, segundo Tatiana, fez um acordo para pagar um salário mínimo por mês durante cinco anos, o equivalente a R$ 66 mil reais.

"A gente fez o quartinho dela, desenhou os móveis. Quando ela morreu, foi um terremoto. Ninguém me ajudou nem a pagar o enterro. De lá para cá, eu sofri dois derrames. Só tive coragem de desfazer o quartinho e as coisas dela depois de mais de um ano que ela tinha morrido. Até hoje eu não tenho condições psicológicas de perdoar os responsáveis por tudo o que aconteceu", afirma.
Atendimento

Após dar entrada na unidade com indícios de pneumonia, Gabrielly foi internada e começou a passar mal depois de tomar o antibiótico. No dia 1º de junho do mesmo ano, a criança teve um mal súbito e morreu.

Segundo laudo de exame de corpo de delito, a dosagem adequada para uma criança de 7,7 quilos seria de, no máximo 10mg por quilo, por dia, ou seja, 77mg. No entanto, a quantidade receitada foi muito maior.

"A dosagem prescrita foi de 1.000mg que é equivalente a 12,98 vezes a dosagem adequada para o caso, representando 129,87mg/kg/dia. Tal dosagem é extremamente elevada e de alto potencial letal", apontou o laudo do Instituto Médico Legal (IML).

Ainda de acordo com o documento, a aplicação do remédio nas veias, "até para pessoas adultas se restringe a 500mg/dia de forma que fica nítido que uma dosagem de 1.000mg para uma criança de apenas 7,7 kg é bastante elevada".

'Enquanto estiver viva, vou lutar por Justiça'

Em 19 de setembro deste ano, Gabrielly faria 10 anos. Tatiana lembra que sofreu tudo de novo quando um outro filho, João Miguel, que nasceu seis anos depois, teve um quadro de febre e ela precisou levá-lo ao Hospital de Planaltina.

"O descaso era o mesmo. Quando entrei na pediatria e passei pelos mesmos lugares, veio tudo à minha mente. Ir até lá é um massacre pra mim", conta.

A advogada Aghata Aparecida Moreira, que representa a mãe nos processos, afirma que o caso de Gabrielly é consequência de uma saúde pública sucateada.

"A mãe quer apenas que o Estado se responsabilize pela omissão: falta de equipamentos, falta de pessoal, de medicação. No caso dela, teve a aplicação de uma dosagem errada. A gente sabe que essa realidade é comum até hoje nos hospitais", diz.

"Esse processo serve para chamar atenção do estado para essa responsabilidade. O Estado precisa ser responsável por aqueles que ele coloca para trabalhar em nome dele", continua.

Tatiana garante que não vai deixar que a morte da filha seja apenas mais uma estatística.

"Enquanto eu estiver viva, vou lutar por Justiça. Eu penso muito nela e sei que é uma estrelinha, uma anjo da guarda que está cuidando de mim."

Condenação na Justiça

Na ação em que a mãe pedia indenização, o GDF sustentou "que já houve reparação do dano, uma vez que a autora e a médica que prescreveu a medicação celebraram acordo".

Porém, ao analisar o caso, a juíza Mara Silda Nunes de Almeida apontou depoimentos de outros servidores. Eles disseram que, no dia da morte da criança, "o hospital estava muito além da sua capacidade de atendimento".

Ao invés de cinco médicos pela manhã, como era previsto, apenas três profissionais estavam escalados para o plantão. Um deles ainda adoeceu. No dia, apenas uma enfermeira cuidava de todo o hospital e, portanto, uma técnica de enfermagem aplicou as dosagens indicadas pela médica.

Também ficou constatado que o Hospital Regional de Planaltina estava sem farmacêutico, profissional responsável pela liberação e entrega de medicamentos, "o que demonstra falha na gestão do réu”.

Na decisão, a magistrada destacou que "entre a prescrição errônea e a administração do medicamento passaram-se algumas horas e havia tempo hábil para perceber e sanar o erro, evitando-se assim a morte de duas crianças, mas a insuficiência de profissionais impediu que isso ocorresse".

Fonte: Mara Puljiz, G1 DF