Me sinto uma pessoa que não existe, diz jovem de 19 anos na BA que não tomou vacina contra Covid-19 por falta de documentos
"Eu me sinto uma pessoa que não existe. É horrível viver assim, sem documento. Eles não estão nem aí, me tratam como se eu fosse um cachorro". Esse é o relato de Celiane Nery, jovem que tem 19 anos, mora em Feira de Santana, cidade a 100 quilômetros de Salvador, e não tem registro civil.
A jovem está impedida de estudar e ir acessar diversos espaços, além de tomar a vacina contra Covid-19 por falta de documentos.
Celiane Nery conta que o nome, que aprendeu a escrever desde pequena, tem se limitado a anotações que faz em cadernos. Isso, porque a jovem não tem registros civis.
"É horrível viver sem registro porque eu não consigo ir a lugar nenhum", disse a jovem.
Há sete anos Celiane mora com a mãe adotiva Janete Cruz. A mulher conta que a jovem foi abandonada pela mãe biológica quando era criança, chegou a ficar em um orfanato, mas o local fechou e ela teve que morar com um tio, que já tinha muitas crianças em casa.
"Peguei ela e trouxe para minha casa, quando ela tinha 12 anos. A família [da garota] vivia uma dificuldade muito grande, eu trouxe ela para minha casa e cuido dela até hoje", disse Janete Cruz.
"Eu amo ela de verdade, como se fosse minha filha. É sem palavras para dizer isso".
A convivência entre Celiane e Janete sempre foi boa e com o tempo, a mulher "adotou" a nova filha. No entanto, sem documentos, essa adoção nunca foi formalizada.
"Até hoje nunca consegui formalizar a retirada desse registro dela. Ela não tem documento, até hoje tento pedir ajuda a Defensoria Pública e até hoje nada", desabafou Janete. Celiane não tem certidão de nascimento, carteira de identidade, nem CPF.
Com o decreto estadual que exige o comprovante de vacinação contra a Covid-19, a situação de Celiane ficou ainda mais difícil. Além de estar desprotegida contra a doença, a jovem não pode entrar em uma série de lugares, em Feira de Santana que exigem a comprovação.
Na lista de impedimentos para Celiane ainda estão:
- Dificuldades para ser atendida em posto de saúde;
- Continuar estudos na escola;
- Fazer manutenção de aparelho odontológico;
- Cursar na faculdade.
"Sem documentação, impede de ela fazer várias coisas na vida dela. Impede de ela realizar o sono dela", lamenta Janete, ao lembrar que a jovem pretende resolver a situação e um dia fazer faculdade.
Para isso, a jovem tem que terminar o Ensino Médio. Outra dificuldade encontrada por Janete e Celiane.
"Eu não estou conseguindo fazer matrícula dela em lugar nenhum, porque ela não tem documentação", contou a mãe adotiva.
Janete conta que a Defensoria Pública entrou em contato e agendou um atendimento. No entanto, só o encontro está marcado para abril.
"Eu fico muito triste, pelo fato de ser uma situação que eles têm como adiantar, resolver a situação dela. Eles deveriam ver ela como um ser humano e não como um nada", criticou.
"Ela pode não existir no documento, mas ela é um ser humano, ela existe, ela está aqui. Eu acho um absurdo marcar para abril uma coisa que a pandemia está aí, a vacina está aí, e eles sabem a situação e não querem atender porque ela não é vacinada".
A mulher mostra aflição ao cogitar a possibilidade da filha testar positivo para Covid-19 e precisar ser internada.
"Eu posso ter ela na minha casa, porque é um direito dela. E se ela pegar Covid-19? Como eu vou internar ela?".
Diante dessa situação, Celiane tem apenas um desejo: "Que um dia eu possa conseguir esse registro. Que eles venham me dar esse documento, que eu tanto preciso para seguir a minha vida".
A produção da TV Subaé, afiliada da TV Bahia, entrou em contato com a Defensoria Pública para saber a possibilidade do adiantamento do encontro com Janete e Celiane, e até a última atualização desta reportagem, não havia obtido resposta.
Fonte: G1 BA e TV Subaé