Fake news, influência religiosa e isolamento criam bolsões onde vacinação não avança

Fake news, influência religiosa e isolamento criam bolsões onde vacinação não avança
Ribeirinho às margens do rio Solimões, no Amazonas. Localidades de difícil acesso ainda têm cobertura vacinal reduzida Foto: BRUNO KELLY / Reuters

SÃO PAULO — Enquanto o Brasil avança para a vacinação de crianças e dá doses de reforço aos adultos, ainda há cidades que só conseguiram completar o esquema vacinal de cerca de 20% de sua população. Entre os motivos apontados por especialistas e secretários de saúde estão a desinformação, o difícil acesso a regiões isoladas e a influência de líderes religiosos que fazem campanha contra a vacinação.

Segundo levantamento do Instituto de Comunicação e Informação em Saúde da Fiocruz (Icict/Fiocruz) com os últimos dados disponíveis, de 8 de dezembro, os bolsões de não vacinados se concentram nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, e no norte de Minas Gerais e sul da Bahia.

No município de São Félix do Xingu (PA), o secretário de Saúde Raphael Antônio Souza ampliou o horário de funcionamento dos postos, levou o carro da vacina aos bairros da cidade, que tem cerca de 91 mil habitantes, sorteou celulares para os jovens se vacinarem e até ofereceu prêmio para as equipes de saúde que conseguiram imunizar mais pessoas. Mas nada disso funcionou.

— A população não acredita na imunidade da vacinação. Há muita fake news sobre os efeitos colaterais. Todas as ações foram tomadas, não tem o que fazer — disse Souza, cuja região tem cerca de 20% de vacinados.

O mesmo ocorre a quase 500 quilômetros dali, em Santa Maria das Barreiras (PA), onde o secretário de Saúde Vanderley Oliveira diz que 3 mil pessoas, de uma população de 23 mil, se recusam a tomar a vacina.

— Ouvimos da população que ainda é um experimento, que pessoas estão morrendo. E até que quem toma vacina vai para o inferno — conta ele, acrescentando que o passaporte da vacina foi a única ação exitosa.

O estudo da Icict/Fiocruz mostra que as microrregiões com vacinação mais baixa são também as com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH):

— O Brasil que está falhando na imunização é o Brasil esquecido, o das fronteiras, dos pequenos municípios — diz Christovam Barcellos, sanitarista e um dos pesquisadores do instituto. — São locais com pouca infraestrutura, sem estradas, recursos humanos escassos e orçamento pequeno. Além disso, há influência ideológica e de (líderes de) religiões (antivacina).

É o que se vê em Oiapoque (AP), município de 27 mil habitantes que faz fronteira com a Guiana Francesa. Lá, o prefeito, Bruno Almeira (PRTB), foi flagrado descumprindo medidas sanitárias em bares e baladas.

Além do mau exemplo do prefeito, que contribui para 23% de vacinados, a cidade brasileira é influenciada pelo movimento antivacina do país vizinho. Especialistas ouvidos pelo GLOBO dizem que muitos políticos da Guiana Francesa se elegeram com a pauta antivacina, o que acirrou as tensões internas no território. Profissionais da saúde foram impedidos de trabalhar e a agência regional de saúde teve sua energia cortada. Em dezembro, o país tinha 38% da população vacinada. Procurada, a prefeitura de Oiapoque disse que toda a cidade está imunizada. O levantamento da Fiocruz leva em conta outras cidades da microrregião.

Em Borba (AM), município de 35 mil habitantes da microrregião de Madeira, funcionários da prefeitura dizem que parte dos moradores que não quer se vacinar é influenciada por líderes religiosos antivacina.

— (Líderes) dizem que a vacina não é de Deus, foi uma invenção de laboratório e que já estão sob a proteção divina — diz a secretária de Saúde Ângela Barba.

O município precisa lidar ainda com os 44 mil km² de extensão. A visita a uma das comunidades leva seis dias de viagem e custa quase R$ 30 mil. Destinos onde moram comunidades ribeirinhas e indígenas só têm acesso de barco, diz Ângela:

— É pouco recurso para chegar nesse locais.

Cidades com baixa cobertura vacinal dizem que os números cresceram e que estão atrasados principalmente em função dos problemas de conectividade.

Fonte: Bianca Gomes/O Globo