Entenda o que é racismo recreativo, crime que influencers são acusadas

Entenda o que é racismo recreativo, crime que influencers são acusadas

O racismo recreativo ganhou repercussão nas redes sociais após duas influenciadoras publicarem vídeos em que dão de presente para crianças negras um macaco de pelúcia e uma banana. Kérollen Cunha e Nancy Gonçalves estão sendo investigadas pela Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi).

Kerollen e Nancy são mãe e filha, que divulgam conteúdos no Instagram, TikTok e Youtube, reunindo mais de 13 milhões de seguidores. O caso foi divulgado depois que a especialista em Direito antidiscriminatório Fayda Belo denunciou a dupla. Com isso, o vídeo foi retirado do ar e a conta da dupla no Instagram impediu que novos comentários fossem feitos nas publicações.

— A gente já sabe o grande problema que é o racismo no Brasil, então quando a gente alimenta isso em crianças negras e inocentes, que não têm aclara ideia do que as aguarda quando virarem jovens, vemos o quanto é cruel e como animaliza o corpo negro. Existe uma falsa ideia de que o negro está abaixo do branco e é isso que um macaco e uma banana representam. Quando isso é feito contra crianças é ainda mais monstruoso e por isso eu vi a razão a urgência de fazer com que isso não se repetisse com outras crianças. Por qual razão isso estava exposto para tanta gente nas redes sociais e ninguém viu que tinha algo de errado? É aí que a gente percebe o quanto essas microviolências contra os corpos negros são minimizadas — afirma Fayda Belo.

O termo racismo recreativo foi criado pelo pesquisador Adilson Moreira, em livro de mesmo nome. Nele, Moreira explica que a expressão veio como uma forma de combate a práticas que muitas vezes são consideradas brincadeiras inofensivas, mas que na verdade são uma forma de agressão a pessoas negras. Fabiano Machado da Rosa, advogado especialista em compliance antidiscriminatório, explica que o racismo recreativo é velado pelo "humor".

— Anteriormente, o racismo era visto apenas na prática ou indução aos atos de discriminação. Por exemplo, o racismo direto pode ser enxergado quando uma pessoa proíbe a entrada de um negro em um restaurante. Acontece que as pessoas sabem que isso é crime, então criaram formas veladas do racismo acontecer na sociedade. Uma dessas maneiras é o racismo recreativo. Nele, a discriminação é velada pelo "humor". É o mecanismo cultural que propaga o racismo, mas ao mesmo tempo protege a imagem da pessoa branca atrás da justificativa de que não é nada sério, apenas "humor". No entanto, o que está sendo propagado é uma ideia de diminuição e inferiorização — explica o advogado.

Nas imagens, Kérollen conversa com um menino negro em uma calçada e questiona se ele gostaria de receber um presente ou R$ 10. Ele opta pelo presente, mas, ao perceber que se tratava de uma banana, responde “só isso?”, afirma que não gostou e deixa o vídeo da influencer. A polícia já sabe que o mesmo menino já teria sido abordado em outra oportunidade pela influenciadora.

Já em outro registro, ela aborda uma menina na rua e faz uma proposta similar, oferecendo a opção de a criança escolher entre R$ 5 ou uma caixa. A criança opta pelo “presente”, recebe das mãos da influencer e abre, vendo se tratar de um macaco de pelúcia. Aparentando ter ficado feliz, ela abraça o brinquedo e agradece a influencer.

— O racismo recreativo se esconde e é dissimulado, uma forma cruel de violência. Ele engana a vítima, que acha que está no meio de uma brincadeira, mas está sendo ridicularizada. No vídeo a gente vê uma imagem forte que é menina negra, de baixa renda e que sorri ao ganhar um brinquedo. Porém, a realidade é que ela está sendo comparada a um animal em troca de likes nas redes sociais. Ela em nenhum momento entendeu o que estava sofrendo — diz Fabiano Machado da Rosa.

Nas redes sociais, Gabriel Tuff, amigo de Kérollen e pessoa que a acompanha nos trabalhos, explicou que o vídeo que viralizou é apenas um trecho de uma gravação inteira. Em relação à menina que aparece ganhando um macaco de pelúcia, Tuff apresentou o vídeo da mãe ao lado da criança depois dela receber o presente. No entanto, a presença da responsável não anula as acusações

— Mesmo que a mãe estivesse ao lado da criança isso não torna a situação menos grave. É importante destacar que elas oferecem um presente que está embalado, o responsável e a criança não sabem o que está guardado ali. Sendo assim, todos foram enganados. O artigo 17 do Estatuto da Criança e do Adolescente diz que a criança nunca pode ser objeto de violação, a imagem dela deve sempre ser preservada. Elas foram expostas nas redes sociais. Tenho certeza que nenhum pai que soubesse o que elas fariam deixaria o filho ser ridicularizado. Essas duas mulheres, dentro da lei de crime de racismo, ofenderam 3 elementos: praticaram o ato, publicaram nas redes sociais e ainda cometeram o racismo recreativo. Somando tudo isso, a pena delas pode chegar a 8 anos de prisão —ressalta Fabiano Machado da Rosa.

“Para ridicularizar duas crianças negras, para incitar essa discriminação perversa que nos tira o status de pessoa e nos animaliza. Como se fosse piada, mas não é piada não, o nome disso é racismo recreativo, usar da discriminação contra pessoas negras com intuito de diversão, de descontração, de recreação agora é crime, anjo. Você pode receber uma pena de até quase oito anos de cadeia, qual que eu espero que aconteça”, diz Fayda.

“O artigo 17 do Estatuto da Criança e Adolescente diz que é inviolável a integridade moral do menor, bem como a sua imagem deve ser preservada. Pode sair por aí usando imagem de criança não, embaixo dos 18 diz que é proibido expor menores de idade a constrangimento, a vexame, a humilhação, a ridicularização em público”, completa a advogada.

Fonte: O GLOBO