'Dinheiro não compra vida', diz filha que perdeu pai com Covid após espera por leito de UTI em Franca, SP

'Dinheiro não compra vida', diz filha que perdeu pai com Covid após espera por leito de UTI em Franca, SP
Milton Nepomuceno morreu com Covid-19 em Franca, SP — Foto: Reprodução/EPTV

Filha de um lenhador de 66 anos, que morreu por complicações da Covid-19 em Franca (SP), Naiara Nepomuceno diz que os pacientes graves não têm o tempo a favor para esperar pela abertura de mais leitos.

Antes de ser internado no Centro de Terapia Intensiva (CTI) de um hospital na cidade, o pai dela ficou quatro dias no pronto-socorro municipal à espera de uma vaga.

“Cada vez que constrói mais leitos, vai ocupar. Mas são vidas. Dinheiro não compra vida. Por causa de um leito, uma pessoa por causa de um dia não consegue uma transferência e a pessoa morre.”

Na segunda-feira (8), dos 68 leitos de unidades de terapia intensiva (UTI) nas redes pública e privada, 56 estavam ocupados – taxa de 82,3%. Só na rede pública, o índice chegava a 97,61%.

Por causa da alta taxa de ocupação, o governo estadual manteve a região de Franca, pela terceira semana consecutiva, na fase vermelha do Plano São Paulo.

Drama

O lenhador Milton Nepumoceno buscou atendimento médico no pronto-socorro Álvaro Azzuz no dia 25 de janeiro após passar mal. Como não havia leitos de UTI Covid disponíveis, foi mantido na unidade até ser transferido no dia 28 de janeiro para o Hospital do Coração.

“Foram quatro dias de muita espera, de muita esperança. Todo dia esperava o médico ligar. O meu irmão não saía da porta do Janjão, chegava lá cedo e ficava o dia todo esperando notícia. Muitas vezes viemos embora para casa sem notícias do meu pai”, diz Naiara.

Após ser internado, no entanto, o quadro de saúde piorou e os rins começaram a falhar. Naiara conta que a saturação do pai estava baixa e que o coração fraco não conseguia bombear o sangue pelo corpo.

Milton ficou hospitalizado por uma semana e chegou a ser intubado, mas sofreu uma parada cardiorrespiratória na quinta-feira (4) e não resistiu.

“Entraram com antibiótico para fazer efeito em 48 a 72 horas. O efeito ia começar na sexta-feira agora. Mas, na quarta-feira, o rim deu de querer dar uma falhada e eles conseguiram regularizar. Quando foi na quinta-feira o rim parou na hora que ele estava na primeira sessão de hemodiálise. Ele não aguentou e teve uma parada cardiorrespiratória.”

Impasse

No início de janeiro, Franca tinha 30 leitos públicos de UTI. Mais 12 vagas foram abertas, mas o número de pessoas que precisa de atendimento de alta complexidade não parou de crescer.

A quantidade de leitos na cidade tem sido alvo de críticas do prefeito Alexandre Ferreira (MDB) contra o governo estadual. A região, que tem 750 mil habitantes, tem uma das mais baixas ofertas do estado, que chega a 15,9 para cada 100 mil habitantes.

A Prefeitura não descarta a possibilidade de transferir pacientes graves para outras cidades da região ou para municípios de diretorias de saúde vizinhas.

Segundo o médico do Hospital das Clínicas (HC) de Ribeirão Preto José Sebastião dos Santos, especialista em saúde pública, a transferência para outras cidades é possível por meio da Rede Regional de Atenção à Saúde, a R-RAS.

“Por exemplo, se esgotou tudo no público, no filantrópico, no privado, aí ele tem que conversar com as outras regiões: Ribeirão, Barretos e Araraquara. Você sempre usar o que está mais perto para não onerar muito a família. Fica mais próximo e fica mais fácil.”

Santos afirma que a rede regional pode ajudar a desafogar regiões com menor disponibilidade de leitos.

“Possível, compreensível, necessária, prevista no Sistema Único de Saúde (SUS) você pode ser tratado onde tiver o melhor recurso, o que estiver mais disponível naquele momento.”

Depois de viver um drama para conseguir internar o pai, Naiara espera que outras famílias não tenham que passar pela mesma situação.

“A maior esperança que a gente tinha era ouvir do médico que o seu Milton recuperou do dia para a noite (...) Só quem está passando sabe (...). Você sai em Franca e nos barzinhos o povo está tudo sem máscara, tudo bebendo, ninguém está preocupando. O problema é que os jovens acham que para eles não dá nada, mas e a família? E o pai e a mãe? Não desejo isso para o meu pior inimigo.”

Prefeitura e o governo de SP

Procurada, a Prefeitura de Franca não se manifestou sobre o caso.

Na semana passada, a Secretaria Estadual da Saúde abriu cinco novas vagas de UTI em Franca, mas outras foram prometidas para os próximos dias.

Nesta segunda-feira, o governo estadual informou que na divisão regional de Franca, a taxa de ocupação é de 82,4% e que a rede hospitalar segue com condições de atender casos graves do coronavírus.

Fonte: EPTV 2