Bombas e balas não defenderão o mundo da Covid-19, diz Joe Biden em discurso na ONU

Bombas e balas não defenderão o mundo da Covid-19, diz Joe Biden em discurso na ONU
Biden discursa na ONU — Foto: Eduardo Munoz/Reuters

O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, discursou pela primeira vez na Assembleia Geral da ONU, em Nova York, na abertura dos debates dos chefes de Estado nesta terça-feira (21).

No pronunciamento, o democrata alertou que o mundo está diante de um "ponto de inflexão" devido à pandemia e às mudanças climáticas e reforçou que somente o diálogo entre países trará oportunidades. Segundo o presidente americano, as decisões desta década influenciarão todo o curso da História. "Nós nos encontramos em um momento de grande dor, mas de oportunidade extraordinária", afirmou.

"Bombas e balas não servirão para defender o mundo da Covid-19 e de suas variantes", disse Biden.

Veja abaixo um resumo dos temas abordados por Biden durante o discurso na ONU:

  • Biden defendeu a saída dos EUA do Afeganistão e o fim da guerra travada há 20 anos, celebrando a "era da forte diplomacia". Ele reconheceu, porém, os riscos ainda existentes do terrorismo.
  • O presidente dos EUA também exaltou a União Europeia, irritada com o recente acordo americano com Reino Unido e Austrália. Ainda assim, Biden reforçou a importância do fortalecimento dos laços com aliados do Indo-Asiático, o que inclui os australianos.
  • Sem citar nominalmente nenhum país rival, Biden rejeitou a ideia de uma "nova Guerra Fria", mas disse que os EUA se opõem a "países mais fortes que tentam controlar os mais fracos".
  • O democrata também anunciou uma ajuda de US$ 100 bilhões para que os países em desenvolvimento combatam mudanças climáticas. Ele também disse que planeja uma ajuda de US$ 10 bilhões para a luta contra a fome.
  • Em relação à pandemia, Biden celebrou a vacinação e o compartilhamento de vacinas com outros países — em um momento de baixa procura pelos imunizantes nos EUA.

Leia abaixo, em detalhe, os principais pontos do discurso de Biden na ONU.

Afeganistão e terrorismo

Biden defendeu brevemente a retirada dos militares americanos que estavam no Afeganistão desde 2001 — ocupação considerada a mais longa guerra travada pelos EUA. "Terminamos 20 anos de conflito no Afeganistão, e estamos abrindo uma nova era de forte diplomacia, de uso do poder do desenvolvimento para investir em novas formas de ajudar os povos mundo afora", discursou.

"Vamos provar que, não importa quão desafiadores ou complexos sejam os problemas, governos do povo e para o povo ainda são a melhor forma de trabalhar para todas as pessoas", concluiu Biden, sem mencionar diretamente nenhum país ou organização.

O presidente dos EUA enfrenta uma crise de popularidade, com a menor aprovação desde que assumiu o cargo, potencializada pela tomada de Cabul pelo grupo extremista islâmico Talibã — a opinião pública americana avalia que a Casa Branca não conseguiu garantir a paz no Afeganistão durante a retirada dos militares dos EUA em missão no país asiático.

No discurso desta terça, ele não mencionou diretamente o Talibã. Porém, Biden — sem citar grupos ou países — afirmou que "a dolorida ferroada do terrorismo é real".

"Os EUA não são mais o mesmo país que foi atacado no 11 de Setembro, há 20 anos. Hoje, somos melhor equipados para detectar e prevenir ameaças terroristas e somos mais resilientes na nossa capacidade de combatê-las", disse, voltando a citar a democracia como melhor forma de evitar o nascimento de facções terroristas.

"Um dos mais importantes jeitos para realmente melhorar a segurança e evitar violência é melhorar a vida das pessoas do mundo que percebem que seus governos não estão atendendo a suas necessidades", completou.

Ajuda bilionária para o clima

O presidente dos EUA também aproveitou o discurso na ONU para anunciar um investimento de US$ 100 bilhões para que países em desenvolvimento combatam as mudanças climáticas. Segundo ele, as transformações no clima já causam "morte e devastação".

"Ou vamos sofrer com a impiedosa marcha das secas e das enchentes cada vez piores? Com os furacões e incêndios mais intensos? Com ondas de calor mais longas e com o aumento do nível dos mares?", questionou.

Biden se elegeu com um discurso de transição para uma economia verde, um assunto um tanto sensível em parte dos EUA, onde os empregos dependem de atividades potencialmente danosas ao meio ambiente como o fraturamento hidráulico — Donald Trump, candidato derrotado à reeleição em 2020, preferia manter atividades como essa.

O atual presidente inclusive pressionou o Brasil a cumprir metas de preservação à Amazônia e sugeriu que poderia impor medidas comerciais, declaração que não foi bem recebida pelo governo brasileiro.

"Cientistas e especialistas estão nos dizendo que estamos nos aproximando rapidamente de um ponto sem volta [em relação às mudanças climáticas] [...]. Toda nação deve levar suas maiores ambições possíveis no encontro da COP-26, em Glasgow", pediu, relembrando os países do encontro sobre o clima previsto para novembro.

Vacinas e Covid

Biden também defendeu as vacinas e exaltou as doações de doses pelos EUA a outros países, incluindo 130 milhões de doses do imunizante da Pfizer, doados pelo sistema Covax.

"O luto compartilhado é um lembrete de que nosso futuro coletivo está associado à nossa capacidade de reconhecer nossa humanidade em comum e de agirmos juntos", disse.

Os Estados Unidos passam por um momento complicado na pandemia de Covid-19, com um novo pico de casos e de mortes causadas pela doença. O ritmo da vacinação, que começou acelerado, estagnou diante da resistência de americanos a tomar a vacina. Em alguns estados, nem 50% da população está imunizada.

Relação com outros países

Biden também tentou mostrar os EUA como um país "de volta à mesa em fóruns internacionais" e citou a Organização Mundial da Saúde (OMS) — uma indireta para o ex-presidente Donald Trump, que chegou a iniciar em seu governo a retirada dos EUA do órgão sanitário por discordâncias sobre a China.

Ao discursar, o presidente dos EUA reforçou a importância do Indo-Pacífico — ou seja, países na Ásia e na Oceania que a Casa Branca tem visto como essenciais diante das pretensões comerciais e militares da China — e sinalizou também um afago à União Europeia, cujos países historicamente são aliados dos americanos.

A declaração vem na sequência de uma crise aberta com os países da União Europeia, especialmente a França, depois que os EUA firmaram um acordo militar com Reino Unido e Austrália.

Essa negociação incluiu um contrato de construção de submarino que irritou Paris porque os franceses já conversavam com os australianos sobre esse tipo de embarcação. A crise chegou ao ponto de o chanceler da França chamar o acordo de “facada nas costas”, e o presidente Emmanuel Macron convocou os embaixadores nos EUA e na Austrália para consultas — o que, na linguagem diplomática, funciona para demonstrar grave descontentamento.

Também sem mencionar diretamente a China ou a Rússia, Biden afirmou que "não busca uma nova Guerra Fria nem um mundo dividido entre blocos", em referência ao período de tensão militar, política e ideológica entre EUA e União Soviética que durou do fim da década de 1940 até a abertura política da então URSS no fim dos anos 1980.

Ainda assim, em um tom mais duro, Biden disse: "Os EUA vão competir vigorosamente e liderar de acordo com nosso valores e nossa força. Vamos nos posicionar com nossos aliados e se opor a tentativas de países mais fortes em dominar os mais fracos".

Fonte: Lucas Vidigal, g1