Bilhete pedindo ajuda: Polícia Civil do DF diz que vai apurar dificuldades encontradas para denunciar violência doméstica

Bilhete pedindo ajuda: Polícia Civil do DF diz que vai apurar dificuldades encontradas para denunciar violência doméstica
Mulher vítima de violência doméstica escreveu um bilhete para pedir socorro dentro do banco — Foto: PMDF / Reprodução

A Polícia Civil do Distrito Federal informou, nesta quinta-feira (4), que vai abrir um procedimento administrativo para apurar as informações do bancário de 40 anos que tentou denunciar uma situação de violência doméstica e não conseguiu. O caso ocorreu na última segunda-feira (1º).

Uma mulher, de 27 anos, escreveu em um papel a frase "Você pode me ajudar", e, em seguida, marcou um xis e acrescentou "Violência doméstica". O bilhete foi entregue a um funcionário do banco onde a vítima sacava o benefício do Bolsa Família, na região de Sobradinho.

A mulher ainda escreveu "Ele tá aí fora". O bancário que recebeu o pedido de socorro, e não quer ser identificado, conta que procurou a Polícia Civil, mas não conseguiu registrar a denúncia.

Somente na tarde de terça-feira (2), após uma colega do banco procurar uma amiga que trabalha na Polícia Militar do DF, a vítima foi encontrada e levada, com os dois filhos – um menino de 1 ano e 7 meses e uma menina de 5 anos – para um abrigo.

Ao G1, o bancário contou que às 15h02 de segunda-feira, depois que a mulher saiu da agência, telefonou para a Delegacia de Atendimento à Mulher (Deam), para pedir ajuda. A ligação durou menos de dois minutos (veja registro abaixo).

"Um homem atendeu e disse que era pra denunciar no 197, porque tinha que apurar se aquilo [o bilhete] era verdade mesmo", disse o bancário.



 

Ao sair do trabalho, o funcionário do banco foi até a 13ª DP, de Sobradinho, para comunicar o pedido de socorro da vítima. Mas disse que também não conseguiu ajuda do policial que estava no balcão da delegacia.

"Ele leu, leu, olhou o papel e disse que era jurisdição de Planaltina porque a mulher morava lá. Eu questionei se ele não poderia fazer contato com alguém, mas ele não deu a mínima pra mim", contou o bancário.

Em nota, a Polícia Civil do DF afirmou que o bancário foi recebido na delegacia e "que o registro seria realizado de imediato, sem questionamentos". A corporação aponta que o bancário foi informado que a ocorrência seria apurada pela 16ª DP (de Planaltina), "local dos fatos" e que "o encaminhamento ocorreria em até 24h, mas as diligências seriam realizadas de imediato".

Ainda segundo a Polícia Civil, o bancário teria dito "preferir fazer o registro junto à delegacia de Planaltina" e que iria até lá. "Nesse momento, o agente de polícia da 13ª DP também se disponibilizou para levá-lo até a outra delegacia, mas ele recusou, pois tinha meios próprios", diz a nota da polícia.

O G1 tentou novo contato com o bancário, nesta quinta-feira, mas ele não atendeu as ligações. Na quarta (3), o funcionário do banco disse que ficou frustrado com os atendimentos da Polícia Civil.

"Sobra burocracia e falta empatia. Cheguei no outro dia no banco desnorteado", disse o bancário, na quarta-feira.

A Polícia Civil diz que vai esclarecer o fato, "em busca de verificar a ocorrência ou não de qualquer tipo de omissão no cumprimento do dever funcional".

O pedido de socorro

O pedido de socorro da mulher ocorreu durante um atendimento, em uma agência bancária, enquanto o marido esperava do lado de fora. Em depoimento na delegacia de Planaltina, para onde foi levada pelos policiais militares do Grupo de Prevenção Orientada à Violência Doméstica e Familiar (Provid), a vítima disse que sofria violência e injúrias por parte do companheiro.

A PM chegou a cogitar cárcere privado, no entanto, a Polícia Civil disse que a hipótese foi descartada. O caso está sendo investigado pela DP de Planaltina, mas até a tarde desta quinta-feira, o suspeito não havia sido localizado.

"Estamos em diligências investigativas visando a responsabilização do agressor", disse a Polícia Civil.

Segundo a corporação, há dois anos, a vítima registrou ocorrência de violência contra o agressor e se mudou para o Piauí. "Contudo voltou para o DF, perdoou o companheiro e retirou as medidas protetivas", disse a Polícia Civil, por meio de nota.

A funcionária do banco, que buscou a ajuda de uma amiga que trabalha na Polícia Militar, disse que a vítima só teve coragem de pedir socorro porque entrou sozinha no banco.

"Por estarmos no meio de uma pandemia, ela só pôde entrar sozinha. Foi o momento em que ela se sentiu segura e pediu ajuda. Ele [o agressor] estava ligando o tempo todo pra ela ir rápido", contou.

Segundo os policiais militares que encontraram a vítima, a partir do bilhete onde ela anotou o endereço, a mulher contou que "saía pouco de casa" e que o marido era quem atendia as ligações telefônicas que ela recebia.

A mulher está com os filhos na Casa Abrigo, sendo acompanhada por uma equipe multidisciplinar. A investigação de violência doméstica vai ser encaminhada ao Ministério Público que deve analisar se oferece ou não denúncia contra o suspeito.

Campanha Sinal Vermelho contra a Violência Doméstica

O desenho do xis com o pedido de ajuda é uma orientação da campanha Sinal Vermelho para ajudar mulheres vítimas de violência doméstica lançada em junho de 2020 pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB).

"O maior legado dessa campanha é que essas mulheres vítimas de violência doméstica tenham bastante segurança de fazer a denúncia", disse a presidente da AMB, a juíza Renata Gil. Ela também reforça a importância da participação da sociedade civil e o engajamento de todos os agentes, sejam de segurança e assistência social, entre outros.

"Pretendemos trabalhar com outras entidades, supermercados para ter mais pontos de referência para essas mulheres denunciarem. E é importante que ninguém negligencie a vida de um ser humano", diz a juíza.

Na semana passada, seguindo as mesmas instruções da campanha, uma mulher de Anápolis, interior de Goiás, pediu ajuda em uma rede social. Ela e o marido, que é caminhoneiro, estavam em viagem.

O homem foi preso por cárcere privado e violência doméstica após ser abordado por policiais em Bady Bassitt, no estado de São Paulo. Assista ao vídeo abaixo para entender mais sobre o caso.

Direitos das mulheres

Segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) é a terceira melhor do mundo para evitar e punir a violência de gênero. Ainda assim, o Brasil é o 5º país que mais mata mulheres.

No DF, foram 15.995 ocorrências de violência doméstica no ano passado, uma redução de 5,14% em relação a 2019, quando foram 16.861 casos. Este ano, 1.472 registros foram feitos só em janeiro, uma média de 49 casos por dia.

Em 2020, foram contabilizadas 17 vítimas de feminicídio no Distrito Federal. Em 2019, foram 32 vítimas.

Em janeiro deste ano três mulheres foram assassinadas. A maioria dos agressores é o companheiro da mulher.

Os dados são da Secretaria de Segurança Pública. Segundo a pasta, para prevenir esse tipo de crime, foram ampliados os canais de denúncia e o atendimento às vítimas de violência doméstica.

"Além disso, foi inaugurada uma nova delegacia de mulher em Ceilândia, com possibilidade de registros on-line e aumento das visitas do programa de Prevenção Orientada à Violência Doméstica (Provid), da Polícia Militar", diz a secretaria.

Fortalecimento da rede de proteção

Para a especialista em direitos das mulheres Lia Zanotta Machado, o pedido de socorro feito pela mulher de 27 anos dentro da agência bancária chamou atenção para a importância de fortalecimento das redes de apoio das vítimas de agressões como físicas, morais, sexuais e psicológicas. Além disso, "é preciso desconstruir a cultura machista ainda presente na sociedade", explica.

"Ainda temos um comportamento tradicional cultural machista, que não dá a devida importância para as denúncias das mulheres. Com a pandemia, essas mulheres vítimas de violência doméstica ficam mais vulneráveis e isso contribui para uma subnotificação", diz a especialista.
Ela ainda destaca a importância do treinamento de servidores e do acompanhamento das medidas protetivas. "Tem mulheres que são assassinadas com medidas protetivas no bolso. A gente precisa ter mais fiscalização e aumentar a rede de atendimento aos agressores também. Isso é fundamental para que a lei Maria da Penha não seja apenas punitiva, mas preventiva", explica.

Fonte: Mara Puljiz, G1 DF