Após crise provocada por intervenção na Petrobras, Bolsonaro entrega ao Congresso MP para privatizar Eletrobras

Após crise provocada por intervenção na Petrobras, Bolsonaro entrega ao Congresso MP para privatizar Eletrobras
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), o presidente Jair Bolsonaro e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) Foto: pablo valadares / Câmara dos Deputados

BRASÍLIA — Após a crise provocada na Petrobras, o presidente Jair Bolsonaro entregou ao Congresso Nacional, na noite desta terça-feira, uma medida provisória (MP) para acelerar a privatização da Eletrobras.

Como antecipou o GLOBO, a proposta foi editada como forma de sinalizar compromisso com a agenda de privatizações defendida pelo ministro Paulo Guedes no momento em que a pauta liberal é questionada por causa da intervenção de Bolsonaro na Petrobras — que determinou a troca de comando na estatal na semana passada.

A medida é uma forma de acelerar a apreciação da privatização pelo Congresso, cujo aval é necessário para a venda de estatais, mas principalmente serve para Bolsonaro sinalizar que mantém compromisso com a visão liberal de Guedes para a economia. O ministro é visto como o principal derrotado pela intervenção na Petrobras.

O projeto de lei para a venda da Eletrobras enviado pelo governo ao Legislativo em 2019 não avançou. A medida provisória, que passa a valer até a apreciação do Congresso, autoriza o governo a desenhar o modelo de privatização da Eletrobras. A venda do controle da empresa só pode ser concretizada se a MP for convertida em lei.

O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), afirmou que a MP pode entrar na pauta da Casa na semana que vem.

Afago público em Guedes

Nesta terça, Bolsonaro fez um afago em público em Guedes, no mesmo dia em que o conselho da Petrobras aprovou a convocação de uma assembleia para destituir o presidente da estatal, Roberto Castello Branco, indicado pelo ministro.  Guedes ainda não falou publicamente sobre a demissão.

A privatização da Eletrobras sofre forte resistência entre os parlamentares, mas o gesto de Bolsonaro nesta terça-feira é visto mais como uma tentativa de se contrapor à crise da Petrobras, cuja perda de quase R$ 100 bilhões em valor de mercado em dois dias mostrou a insatisfação dos investidores com a intervenção na estatal.

Apesar de não haver sinais de que a venda da Eletrobras tem maioria no Congresso, a medida provisória foi entregue aos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG) em mãos pelo presidente.

Bolsonaro nega intervenção

Bolsonaro saiu caminhando do Palácio do Planalto em direção ao Congresso para entregar a medida.

Lira afirmou que a medida pode ser votada já na semana que vem:

— É o primeiro passo do que a gente pode chamar de Agenda Brasil. Privatizações, capitalização, investimentos. Uma pauta que andara no Congresso, junto com as reformas.

O presidente do Senado também elogiu o "gesto" do governo, mas ressaltou que o Congresso fará uma avaliação "critica" da medida.

— Como todas as medidas provisórias, será dada pelo Congresso Nacional a devida atenção e o acompanhamento. É uma demonstração, um gesto, de respeito ao Congresso Nacional — disse Pacheco.

Bolsonaro afirmou que confia na aceleração do tema no Congresso:

— A Câmara e o Senado vão dar a devida urgência à matéria. A nossa agenda de privatização continua a todo o vapor. Nós queremos sim enxugar o Estado, para que a nossa economia possa dar a resposta que a sociedade precisa — disse Bolsonaro.

Os ministros da Economia, Paulo Guedes; de Minas e Energia, Bento Albuquerque; e da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos, acompanharam Bolsonaro.

Capitalização bilionária

Ao se dirigir ao Congresso, Bolsonaro negou interferência na Petrobras. Quando questionado se comemorou o desempenho da estatal na Bolsa hoje, respondeu:

— Vocês (imprensa) desceram a lenha ontem, pô. Qual a intervenção que eu fiz que vocês desceram a lenha? Agora vem perguntar se eu comemorei?

O governo prevê uma capitalização da Eletrobras a ser estruturada se a medida for aprovada no Congresso.

O resultado da operação de venda de novas ações na Bolsa seria a diluição da participação da União, que perderia o controle sobre a estatal de energia.

O governo também aumentou a previsão de arrecadação com a venda da Eletrobras. A expectativa é arrecadar R$ 25,5 bilhões para o Tesouro Nacional. Antes, a previsão era de R$ 16 bilhões.

Outros R$ 25 bilhões serão destinados para a Conta de Desenvolvimento Energético (CDE). Além disso, haverá destinação de recursos para a revitalização de bacias hidrográfricas.

Com isso, a previsão é que a capitalização da empresa levante R$ 61 bilhões.

Estratégia

A MP é uma tentativa do governo de sinalizar avanço na agenda de desestatizações, que não deslanchou em dois anos. O projeto para privatizar os Correios deve ser encaminhado ao Congresso nesta semana.

O texto da Eletrobras é semelhante ao projeto de lei que tramita no Congresso desde 2019, mas que não avançou — esse já era parecido com outra proposta, que estava na Câmara desde 2018. Uma MP tem viabilidade imediata e prazo máximo de 120 dias para ser votada por deputados e senadores — depois desse período, a proposta perde a validade.

Apesar da pretensão de propor a privatização por MP, o texto estabelece que a venda da companhia só ocorrerá após a aprovação do Congresso Nacional. A MP também já permite ao BNDES iniciar os estudos para a privatização, o que deve durar nove meses. Há uma avaliação de que esperar a aprovação de um projeto de lei poderia atrasar ainda mais o processo.

Como uma MP tem prazo para ser votada, a edição do texto também pressiona Câmara e Senado a discutir a privatização.

A minuta da MP traz poucas alterações na proposta de privatização que vinha sendo negociada com parlamentares, numa tentativa de reduzir as resistências.

Uma delas é destinar R$ 230 milhões anualmente, por dez anos, para a revitalização das bacias hidrográficas na área de influência dos reservatórios das hidrelétricas de Furnas, subsidiária da Eletrobras com forte atuação em Minas Gerais.

Também prevê o pagamento de R$ 295 milhões por dez anos para a “redução estrutural de custos de geração de energia na Amazônia Legal”. E confirma um pagamento de R$ 350 milhões anuais por uma década para a revitalização dos recursos hídricos da bacia do Rio São Francisco.

Os principais focos de resistência à privatização da Eletrobras estão em políticos das regiões contempladas com esses valores.

Golden share

O modelo de privatização prevê a emissão de novas ações a serem vendidas no mercado, resultando na redução da fatia da União, de cerca de 60%, para menos de 50%. O governo manterá, segundo o texto, a chamada golden share, ação especial que dará poder de veto à União em decisões estratégicas da companhia.

Para garantir que não haja controlador definido, nenhum acionista ou bloco de acionista terá mais de 10% dos votos.

O dinheiro arrecadado com a capitalização em bolsas de Valores no Brasil e no exterior será dividido. Metade será usada para pagar à União por novos contratos de concessões para usinas hidrelétricas que hoje operam a preços fixos, além das usinas de Tucuruí (PA), Sobradinho (BA) e Itumbiara (GO/MG).

Essas usinas passarão a ser remuneradas pela energia gerada a preços de mercado, mais altos que os atuais. Mas também assumirão riscos que hoje estão com os consumidores, como os custos extras associados à falta de chuvas.

A outra metade arrecadada será destinada a um fundo do setor elétrico, com o objetivo de amortecer altas nas contas de luz.

Nova estatal

A MP também permite a criação de uma nova estatal, que será responsável por administrar a hidrlétrica de Itaipu e as usinas nuclares de Angra.

A privatização de Itaipu não é possível porque se trata de uma empresa binacional, adminstrada junto com o Paraguai. No caso das usinas de Angra, a Constituição determina que a exploração da energia nuclear é monopólio da União.

Fonte: Manoel Ventura, Geralda Doca e Gustavo Maia/O Globo