Apesar de doses extras, Amazonas é um dos estados que vacinam mais lentamente contra a Covid-19

Apesar de doses extras, Amazonas é um dos estados que vacinam mais lentamente contra a Covid-19
Grupo prioritário, profissional de saúde recebe vacina em Manaus — Foto: Divulgação

Embora tenha recebido uma quantidade extra de vacinas contra a Covid-19, o Amazonas não é o estado que mais imunizou sua população. Além disso, é um dos que usam mais lentamente o estoque de doses disponíveis.

Esses lotes adicionais foram enviados após um acordo entre governadores, que levaram em consideração o colapso no sistema de saúde do estado. Na primeira remessa do Ministério da Saúde, o Amazonas recebeu 282.320 doses da Coronavac. No dia 23, outras 132,5 mil doses da AstraZeneca desembarcaram no Estado. No dia 25, o Amazonas recebeu mais 44,6 mil doses da Coronavac. No total, são 459.420 doses.

O Amazonas aplicou somente 24,22% das mais de 459 mil doses disponíveis do imunizante, conforme dados do consórcio de veículos de imprensa desta sexta-feira (5). É um dos que menos utilizaram a oferta, atrás apenas do Acre, que usou 10,56%, de Roraima, que usou 15,40% , e de Tocantins, que aplicou 23,23% do total recebido.

Em números absolutos, o Amazonas aplicou o imunizante em 111.282 pessoas, o que equivale a 2,64% de sua população acima de 18 anos. Mesmo quando observado somente o percentual, o Amazonas perde para o Distrito Federal, que vacinou 3,20% de sua população -- os dados são desta sexta-feira (5).

Questionada sobre a efetividade da campanha, a Secretaria de Saúde do Amazonas informou em nota que é responsável somente pela distribuição das vacinas às prefeituras e que o cronograma e aplicação de responsabilidade dos governos municipais. No entanto, a própria Secretaria definiu os nomes das pessoas que receberiam as doses em Manaus após a suspensão da vacinação pela suspeita de irregularidades (veja mais abaixo).

Para entender os motivos de tão poucas doses serem aplicadas, o G1 ouviu o procurador da República Igor da Silva Spíndola, que está à frente das ações do Ministério Público Federal (MPF) no combate à pandemia no Amazonas, e o virologista e vice-diretor de Pesquisa e Inovação da Fiocruz Amazônia, dr. Felipe Naveca. Eles comentaram sobre quatro pontos que prejudicam a agilidade na vacinação do estado: irregularidades, ausência de planejamento, demora no início da vacinação e problema de logística.

Irregularidades

Após mais de 15 dias do início da vacinação, Spíndola constata que a vacinação segue lenta e, por causa das irregularidades já constatadas, o processo precisa ser acompanhado rigidamente pelos órgãos de controle, incluindo as Defensorias Públicas e o Ministério Público estadual.

“Essas irregularidades têm travado a vacinação, porque quando percebemos que existem muitas pontas soltas, precisamos chamar as pessoas à responsabilidade, remodelar a logística para ser aplicada no outro dia e às vezes isso demora algumas horas”, afirmou Spíndola, para quem a falta de controle abriu margem para irregularidades e fura fila na aplicação das doses.
Naveca também reclama das doses aplicadas indevidamente em Manaus quando não há doses para todos. “A situação no Amazonas começou a ficar complicada desde o primeiro dia por causa dos casos de pessoas que furaram fila. Isso foi muito ruim, inclusive com medidas judiciais para interromper a vacinação. Isso contribuiu muito negativamente”, disse.

Ausência de planejamento

De acordo com o procurador, o estado e os municípios não prepararam uma logística de controle para aplicação das doses. Houve dificuldades inclusive na preparação da lista com a relação de profissionais da saúde que deveriam ser imunizados prioritariamente.

“Esses lapsos de gestão têm atrasado muito a vacinação, porque não há doses suficientes, as pessoas precisam ser selecionadas e o estado e o município não conseguem selecionar essas pessoas a tempo”, disse Spindola. “Se fosse qualquer outra vacina, essas trapalhadas do governo estadual e municipal poderiam até não gerar prejuízo, mas como o insumo é muito limitado e não dá sequer para cobrir grupos prioritários inteiros, demandavam que eles tivessem se preparado para isso e eles não se prepararam”.

Segundo Spindola, mesmo quando há planejamento, às vezes há falhas na execução. “E precisamos ir para um novo planejamento para ver se a execução consegue ser de maneira mais acertada”.

Demora no início da vacinação

Para Naveca, a demora pode ter contribuído para os números tão críticos registrados no Amazonas e no próprio país.

“Nós estamos muito atrasados na vacinação e nós teríamos tido um cenário muito melhor”, disse o epidemiologista, que aponta também a falta de distanciamento social como um dos motivos para um número tão alto de casos – mesmo com a nova variante em circulação.

O cientista da Fiocruz ressalta que, se a vacinação tivesse se iniciado antes, a situação poderia estar mais controlada. “Ainda teve essa contribuição dos outros estados de abrir mão de uma parcela para o Amazonas, para poder conter essa situação que nós estamos, por um gesto humanitário mas também para proteger eles mesmos, se conseguíssemos conter a P1 (variante brasileira primeiro identificada no estado) dentro do Amazonas”, disse Naveca.

“Se a gente tivesse tido essa vacinação mais cedo, certamente nós teríamos números melhores hoje. O ideal era que ela tivesse começado no ano passado, mas, se a gente pensar que os casos começaram a aumentar em dezembro, se tivéssemos começado no início de dezembro ou no final de novembro, nós não teríamos vivido essa situação certamente”, afirmou o cientista da Fiocruz.

Problema de logística

Segundo Spíndola, existe a tentativa de justificar a lentidão na aplicação das doses com a ausência de estradas no estado, porém é uma peculiaridade com a qual os governos municipais ou estaduais sempre tiveram de lidar. Para ele, há instrumentos suficientes para adaptar a logística para a realidade local, além dos rios serem trafegáveis e existir o transporte por aeronaves.

“Jogar a responsabilidade do que está acontecendo em uma realidade que é totalmente superável é um absurdo, porque se abrirmos um mundo de estradas no interior do estado, vamos partir para outras problemáticas que o estado vai ter que enfrentar amanhã e que ele também não está preparado”, afirmou o procurador. “O mote da questão toda é a falta de preparação do estado para atender essa logística diferenciada, porque ela é possível e não é tão complicada assim, mas demanda investimento, planejamento, vontade”.

O procurador defende que só há demora na entrega de vacinas no interior porque não há investimento e não se planeja uma rede de logística. “A realidade impõe as dificuldades, mas para isso que a gente elege essas pessoas, para pensarem e para investirem na superação dessa realidade”, disse.

A mesma questão é citada pelo vice-diretor da Fiocruz Amazônia. “Se a gente parar para pensar na vacinação para a influenza ou outros vírus que têm calendário nacional, temos essa experiência. Então agora é aproveitar isso e colocar em prática o que se aprendeu ao longo do tempo para conseguir acelerar”, afirmou. “Por mais dificuldade que tenhamos na questão logística, o sistema de vacinação no Amazonas tem experiência em ligar com essas complexidades que temos no interior”.

Pazuello no Amazonas

No dia 4 de fevereiro, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, começou a prestar depoimento à Polícia Federal, em Brasília, no inquérito que investiga a conduta dele em relação à crise sanitária no Amazonas. Pazuello está sendo investigado no Supremo Tribunal Federal (STF) por suposta omissão. Veja os pontos citados pela PGR no pedido de investigação de Pazuello.

Segundo a Procuradoria Geral da República, desde o dia 6 de janeiro, havia a recomendação de transferência dos pacientes graves para outros estados, mas os primeiros deslocamentos só começaram dez dias depois. Outras questões abordadas pela Procuradoria Geral da República no pedido de investigação incluem a demora em agir e a entrega de medicamentos sem comprovação científica para combater a doença, entre outros.

Em sua última visita, o ministro teve atuação discreta. Ele chegou à Manaus na noite de 23 de janeiro junto com um carregamento de vacinas e, de acordo com o Ministério da Saúde, ficaria no estado do Amazonas pelo "tempo necessário". Em sua única agenda pública, Pazuello inaugurou um hospital de campanha em Manaus e chegou a dizer que 1,5 mil pessoas poderiam ser transferidas para atendimento em outros estados, superando em 6 vezes a estimativa inicial de remover 235 pacientes. Nesta sexta (5), órgãos de controle informaram o hospital opera sem protocolos.

Fura fila e investigação em Manaus

A campanha de vacinação contra a Covid-19 em Manaus é marcada por irregularidades. Veja cronologia abaixo:

  • 21 de janeiro - a campanha foi suspensa na capital em meio à investigação do Ministério Público sobre irregularidade na aplicação das doses. Foram feitas denúncias de que médicas parentes de empresários locais estavam furando fila, após postarem fotos em redes sociais.
  • 22 de janeiro - A Secretaria de Saúde do governo do Amazonas entregou lista de profissionais da saúde que seriam vacinados contra Covid em Manaus
  • 23 de janeiro - a vacinação é retomada, com a imunização dos profissionais da saúde. No mesmo dia, à noite, Justiça Federal determinou que a prefeitura de Manaus informasse, todos os dias, a relação das pessoas vacinadas contra a Covid na cidade sob pena de multa.
  • 25 de janeiro - o Ministério Público Estadual do Amazonas pediu a prisão do prefeito de Manaus, David Almeida, e da secretária municipal de Saúde, Shadia Fraxe, na ação que denuncia irregularidades na aplicação da vacina e no favorecimento de pessoas que teriam furado a fila do grupo prioritário da vacinação contra a Covid-19. De acordo com o MPE, houve fraude na fila de prioridades durante a campanha de vacinação e contratação irregular de dez médicos.
  • 28 de janeiro - o prefeito David Almeida negou irregularidades e chamou de ‘heróis’ os médicos que tiveram contratação questionada pelo Ministério Público.
  • 29 de janeiro - a secretária da Saúde, Shadia Fraxe, disse que faltavam "recursos humanos".

Apesar da investigação, as vacinas de profissionais da saúde e de idosos estão sendo aplicadas em pontos diferentes da capital.

Fonte: Luciana Rossetto, G1 AM