Análise: Ao priorizar base republicana, Trump perde espaço entre indecisos e põe reeleição em risco

Análise: Ao priorizar base republicana, Trump perde espaço entre indecisos e põe reeleição em risco
Donald Trump faz discurso no Wisconsin, no dia 25 de junho Foto: Carlos Barria / REUTERS

NOVA YORK - Desde o dia em que assumiu a Presidência, Donald Trump buscou aplicar políticas e práticas de governo focadas na base da militância republicana, mostrando pouco interesse em atrair os eleitores independentes. Isso o tornou uma das figuras mais poderosas de seu partido, o que lhe garante um apoio consistente à sua reeleição.

Mas o foco de Trump em sua base deixou  de lado eleitores indecisos, historicamente um alvo preferencial nas campanhas presidenciais, e essa estratégia certamente não será suficiente para lhe dar mais um mandato na Casa Branca, especialmente quando alguns republicanos se mostram relutantes em apoiá-lo.

Uma pesquisa nacional com eleitores registrados, feita pelo New York Times e pela Universidade Siena, mostra Trump com 36% dos votos totais, bem distante dos 46% que recebeu em 2016. Talvez o mais preocupante para Trump seja o fato de que não conseguiu formar uma coalizão ampla de eleitores, algo crítico para vencer em estados disputados. Enquanto os republicanos o apoiam de maneira ampla, ele tem a preferência de apenas 29% dos independentes e eleitores sem partido, 18 pontos atrás do candidato democrata Joe Biden. O presidente venceu entre os independentes em 2016.

Expandir o apoio neste ponto, especialmente em estados disputados que são cruciais para uma vitória no Colégio Eleitoral, é um desafio enorme para o presidente, um desafio que ele ainda não mostrou interesse em enfrentar. Boa parte do país rejeitou a conduta dura e a linguagem ríspida dele à frente do cargo e, ao mesmo tempo, se moveu para a esquerda em temas como a saúde pública, direitos civis e casamento entre pessoas do mesmo sexo.

— Ele está perdendo. Se não mudar o rumo, em termos da substância do que está discutindo e da maneira como se aproxima dos americanos, será derrotado — afirmou Chris Christie, ex-governador republicano de Nova Jersey e outrora conselheiro próximo do presidente, em entrevista ao programa “This Week”, da ABC.

A pandemia do novo coronavírus e a instabilidade social pelo país contribuiram para a posição de Trump, incluindo entre os eleitores indecisos — apenas 17% dos independentes apoiam de maneira firme sua conduta no cargo, segundo a pesquisa.

— Não é suficiente para se reeleger — disse Sara Fagen, que trabalhou como diretora política para o ex-presidente George W. Bush,  referindo-se às táticas de Trump. — Neste ambiente, será difícil vencer a eleição sem expandir o número de pessoas que o apoiam.

Estratégia personalista

Trump disse aos seus assessores e aliados que precisa concorrer como ele mesmo, e que já desafiou os especialistas em pesquisas mais de uma vez, citando a eleição de 2016. Ele venceu, mesmo tendo sido derrotado no voto popular, obtendo êxitos por margens estreitas em três estados — Michigan, Wisconsin e Pensilvânia — que lhe deram a vitória no Colégio Eleitoral.

Naquela eleição, ele tentou falar especialmente aos republicanos, mas com uma mensagem de desafio, de alguém de fora do mundo político, enfatizando o comércio e a imigração. Isso atraiu americanos que se sentiam desconectados de Washington, ansiosos por mudanças depois de oito anos de um governo democrata e pouco entusiasmados com o nome de Hillary Clinton, sua adversária.

Mas Trump está diante de um cenário eleitoral bem diferente. A pesquisa New York Times/Siena mostrou que 9% dos eleitores registrados estão indecisos, abertos a serem convencidos. Eles, assim como boa parte do país, possuem visões pouco favoráveis à gestão de Trump e, especialmente, à maneira como agiu diante da pandemia e dos protestos iniciados depois da morte de George Floyd pela polícia de Minneapolis, no final de maio.

— Não sou um grande fã de Biden. Acho que ele é um político de carreira e membro da “classe doadora” (termo usado para se referir a pessoas ricas nos EUA que fazem grandes doações a políticos e partidos) — disse John-Crichton McCutcheon, de 50 anos, morador de Miami Beach que votou em Trump em 2016 e foi um dos entrevistados na pesquisa. — Mas com Trump as coisas pioraram, terei que votar em Biden.

'Carnificina americana'

Trump governou e liderou com um foco nos conservadores desde o dia um de seu mandato, quando, em seu discurso de posse, falou sobre a ameaça de uma “carnificina americana”. Depois da fala, adotou políticas que trouxeram a direita para seu lado: a remodelagem do Judiciário americano, especialmente a Suprema Corte, revogando regulamentações para o meio-ambiente, reduzindo impostos e mudando a embaixada americana em Israel para Jerusalém.

Mesmo se quisesse falar a eleitores além de sua base de apoio, o presidente pode descobrir que possui pouco espaço para manobrar depois depois de se definir de forma tão nítida em público, especialmente nos últimos meses.

Trump e seus assessores questionaram pesquisas que o mostraram em dificuldades e sinalizaram que, nos próximos meses, tentarão reduzir a vantagem de Biden com ataques focados em sua idade e capacidades mentais. Isso também poderá alimentar dúvidas sobre o ex-vice-presidente entre eleitores indecisos.

Apesar de todos os questionamentos sobre a resposta de Trump à pandemia e aos protestos, esses eleitores indecisos aprovam a forma como ele conduz a economia, sugerindo que um caminho para a reeleição pode estar em uma eventual melhora das condições econômicas.

— Se tivesse que votar com base na economia, agora, peço desculpas, mas votaria em Trump — diz Cheryl VanValkenburg, operária em uma fábrica de Watertown, no estado de Wisconsin, uma área tradicionalmente republicana. Ela votou em Trump em 2016.

Christina Stoutenburg-Sanchez, de 30 anos, moradora de Smiths Creek, em Michigan, afirmou estar descontente com Trump e Biden. Ela disse que estava mais inclinada a votar no democrata.

— Por mais que não goste de Trump, se ele fizesse comícios e unificasse nosso país, poderia mudar meu voto — afirmou.

Dan Hazelwood, estrategista republicano, disse que Trump foi abalado por sua resposta incerta à pandemia e aos protestos contra a brutalidade policial e o racismo sistêmico. Mas ele acredita que o presidente ainda pode juntar um grupo de eleitores favoráveis à sua reeleição.

— Agora, a coalizão de Trump depende da motivação — afirmou. — A economia e a pandemia sugaram todo o entusiasmo. Pelo menos 50% dos EUA têm reservas profundas a Biden e os democratas. Uma “escolha” entre dois caminhos políticos é tudo que a coalizão de Trump precisa, e é por isso que Biden está tentando ser “básico”.

Indecisos como 'prêmio'

Eleitores indecisos foram alvo de interesses variados das campanhas presidenciais por mais de meio século. Com a nação se tornando cada vez mais polarizada, o número de indecisos diminuiu, com alguns analistas dizendo que sua época já passou, ainda mais com eles sendo ignorados por Donald Trump.

Mesmo assim, há fortes sinais de que muitos eleitores ainda podem ser “conquistados” por qualquer uma das campanhas, uma vez que o país não está trancado em uma disputa entre democratas e republicanos. Trump venceu em Wisconsin por uma pequena margem, mas agora está 11 pontos percentuais atrás de Biden, segundo a pesquisa do New York Times. Analistas apontam que entre 10% e 15% do eleitorado ainda não sabe em quem votar.

Com a guinada de Trump à direita, Biden rumou para a esquerda, adotando, por exemplo, uma lei de falências apoiada pela senadora Elizabeth Warren, com quem disputou a indicação do Partido Democrata, além do perdão de dívidas estudantis. Mas essas posições, outrora importantes linhas ideológicas, não necessariamente põem Biden no mesmo passo da opinião pública.

— Penso que Biden está bem mais perto de onde o país realmente está, mesmo se movendo para a esquerda — disse Matthew Dowd, que trabalhou como estrategista da campanha de reeleição de George W. Bush, em 2004, mas deixou o Partido Republicano. — O país se moveu para esquerda sobre as armas, sobre questões raciais, há mais pessoas não brancas.

Stanley Greenberg, analista de pesquisas ligado aos democratas e que há tempos estuda os indecisos, disse que as opções de Trump são limitadas, uma vez que sua base partidária está diminuindo, marcando o fim do domínio do Tea Party(ala mais conservadora do Partido Republicano).

— Essencialmente você teve uma revolta do Tea Party impedindo que a maioria do país governasse por uma década — afirmou. — Penso que estamos lutando nossa última batalha. É o fim de um período em que o país esteve paralisado pelo domínio republicano.

Fonte: Adam Nagourney, do New York Times